Sombras e
evidências
na chacina de Guerrero
• Uns 43 estudantes ainda sem localizar. Uma
vala comum com 28 cadáveres sem identificar. Uns
trinta detentos, entre os quais 22 policiais. Um
prefeito e um secretário de segurança pública de
Iguala, foragidos... A chacina dos estudantes
normalistas em Guerrero tem a sociedade mexicana
indignada
Heriberto Paredes
Coronel
APESAR de todas as vozes que exigem a
apresentação com vida dos 43 estudantes normalistas,
desaparecidos desde 26 de setembro passado, ainda
não existe resposta concreta. Aproximadamente 1.8
mil pessoas, entre elementos dos corpos da polícia e
voluntários, se mantêm buscando os estudantes. O
país está abalado perante este fato e as
investigações ainda continuam, ou pelo menos isso é
o que o procurador de Guerrero, Iñaki Blanco,
afirmou em entrevista coletiva no povoado de
Acapulco.
No sábado, 4 de outubro, foram achadas seis valas
com 28 cadáveres que ainda não foram identificados.
Somente se sabe que o operativo foi dirigido por
membros da Marinha e do Exército, bem como pelo
próprio procurador e a polícia federal. A zona está
resguardada desde o achado e o acesso é restrito aos
peritos do serviço médico forense (Semefo) e aos
especialistas que participam da investigação.
Para os moradores da colônia Las Parotas — lugar
próximo ao morro onde foram achadas as valas — esta
situação não é surpresa, pois afirmam que
"constantemente passam carros com cheiro
desagradável, cheios de cadáveres que depois jogam
nesses barrancos do morro". Guerrero é um estado
onde os índices de assassinatos, relacionados com
execuções políticas e com o crime organizado são
muito elevados. Recentemente, duas professoras do
ensino especial foram executadas quando saíam dum
hospital de Issste, em Acapulco. Não se sabem as
razões e ainda não foi iniciada nenhuma perícia.
Se nesta zona de Iguala — praça controlada pelo
cartel Guerreros Unidos (GU) — não é estranho falar
de valas, no trajeto entre esta cidade e a população
de Mezcala, município de Eduardo Neri (a 40 minutos
e ainda em disputa entre Los Rojos e os GU) se podem
contar vários pontos onde os moradores estão
acostumados a ver como descarregam cadáveres de
caminhonetes para serem jogados aos barrancos, numa
encosta da estrada.
Na entrada de Mezcala, membros do exército
resguardam pontos de ônibus, entradas de negócios,
prendendo tudo aquele que pretende entrar ao
povoado.
A guerra entre grupos do crime organizado deixou
muita violência e dor nas comunidades de Guerrero.
Iñaki Blanco declarou que se trataria dum sicário
de GU que ordenou executar os estudantes; ainda
afirmou que está informação, tal como a localização
das valas, foi dada por alguns dos 30 detentos até
este momento, 22 deles são policiais municipais que
combinavam seu "serviço à comunidade" com seu
serviço ao crime organizado.
O procurador não aprofundou muito na informação,
deixando entrever somente um pouco do que se
considera um segredo de polichinelo: a existência
dum narco-governo. Contudo, salientou que serão
feitos todos os trâmites necessários para que José
Luis Abarca Velázquez — edil de Iguala, com licença
e foragido — seja preso de imediato, tal como o
secretário de segurança pública da mesma povoação,
Felipe Flores (também foragido).
Aos poucos, os fios começam a unir-se, sem deixar
ver as razões específicas da chacina. Até hoje é
possível deduzir que a fuga do presidente municipal
de Iguala e de seu secretário de segurança estejam
relacionadas com a sua responsabilidade pelos
acontecimentos, e talvez a sua integração ao grupo
delituoso Guerreros Unidos. Não é novidade no país
que os prefeitos façam parte das estruturas das
organizações criminosas, basta lembrar a
participação dos Cavalheiros Templários em Michoacán
para entender que são estes postos do governo os que
permitem o crescimento e controle das cidades por
parte dessas organizações.
Ainda há muito a investigar, por ora, o que se
sabe — através das imagens das câmeras de segurança
— é que os 22 membros da polícia municipal de Iguala
prenderam mais de 20 estudantes, segundo declarações
reunidas e documentadas no dossiê da procuradoria
geral da República; os mesmos que foram transferidos
nos carros oficiais para algum ministério público e
depois, novamente nestas caminhonetes policiais,
para sua execução. Até o momento, os detentos,
policiais-sicários, admitiram o assassinato de 17
estudantes normalistas.
O que não fica esclarecido é a ligação entre o
prefeito e o grupo GU-polícia ministerial, quem deu
a ordem direta de executar os estudantes e onde está
o restante do grupo. Não se sabe se as motivações
para esta chacina são de origem política, se se
trata duma mensagem para a organização inimiga, Los
Rojos; ou se é um acerto de contas entre duas
frações partidárias que disputam o poder do Estado,
isto é, entre o Partido Revolucionário Institucional
(PRI) e o Partido da Revolução Democrática (PRD), ou
bem, entre a família Figueroa e o bloco de Angel
Aguirre. Em todo o caso, os 28 cadáveres encontrados
até agora nessas valas estão sob investigação,
através de exames de sangue e de ADN, para
determinar se são ou não o resto dos estudantes.
Por seu lado, milhares de jovens da Escola Normal
Rural de Ayotzinapa saíram às ruas para exigir a
apresentação com vida de seus companheiros
desaparecidos. Bloquearam a auto-estrada do Sol, no
ponto conhecido como mirante Marqués e
posteriormente Palo Blanco. Tanto familiares como
normalistas insistem em que vão continuar com as
ações, convocando para uma mobilização nacional, com
o fim de exigir a demissão do governador Angel
Aguirre Rivero e punir os responsáveis por estas
atrocidades. (Extraído de otramerica.com)