Quando o
petróleo é mais importante do que a vida
Paolo Moiola
O derramamento de resíduos de
petróleo nas águas dos rios Marañón, Corrientes,
Pastaza e Tigre e na floresta amazônica está
produzindo consequências fatais para as populações
locais, em sua maioria da etnia kukama. Os
responsáveis são conhecidas empresas petroleiras,
mas as autoridades peruanas têm se movimentado com
gravíssima e culpável demora. Há anos as vítimas
protestam contra a contaminação e a violência, mas o
negócio do petróleo sempre teve domínio sobre a
situação.
"Pertenço ao grupo indígena kukama.
Um dia meu pai saiu para pescar. Na volta só trouxe
dois pescados. Meus irmãos e eu perguntamos o que
havia acontecido, porque ele sempre trazia fatura.
Recordo que disse algo sobre derramamentos de
petróleo que estão sujando o rio. Disse que por esse
motivo os peixes estão doentes, que não podemos comê-los.
Também disse que não podíamos tomar banho no rio
porque se o fizéssemos iríamos adoecer. Escrevo para
que faça algo, porque somos crianças que queremos
viver".
Esta é a carta que escreveu
Alexander Ricopa Fasabi, um menino de 9 anos, da
localidade kukama de Santa Clara, no Departamento de
Loreto, às margens do rio Marañón, ao presidente
Ollanta Humala e à sua esposa Nadine Heredia, e que
juntamente com dezenas de outras crianças indígenas
querem chamar a atenção sobre a situação de sua
comunidade.
O protesto dos menores tem sido uma
nova e desesperada tentativa dos kukama para poder
serem escutados pelas autoridades políticas. A
iniciativa foi idealizada por Miguel Ángel Cadenas e
Manolo Berjón, dois incansáveis sacerdotes
augustinos espanhóis que vivem entre os kukama na
localidade de Santa Rita de Castilla e que há anos
lutam de corpo e alma pelos direitos vulnerados
desse povo. Desenvolvem suas ações em estreita
colaboração com a Associação Cocama de
Desenvolvimento e Conservação San Pablo de Tipishca
(ACODECOSPAT), que faz parte da organização Povos
Indígenas Amazônicos Unidos em Defesa de seus
Territórios (PUINAMUDT).
Emergência ambiental
A situação é insustentável: a
contaminação no norte da Amazônia peruana tem
colocado em perigo a vida material — mas também
espiritual — das comunidades indígenas. Durante 2013
foram declaradas em emergência ambiental, uma após
outra, as bacias dos rios Pastaza, Corrientes e
Tigre. Por último, em maio passado, o governo
peruano declarou estado de emergência ambiental e
sanitária também na zona do baixo Marañón. Todas
essas são decisões tomadas com vergonhosa demora a
respeito das ocorrências, da magnitude dos danos e
das denúncias.
A exploração petroleira nessa parte
da Amazônia peruana foi iniciada em 1971. Um
oleoduto de mais de 16 quilômetros atravessa a
floresta e territórios indígenas, transportando a
cada dia milhares de barris de petróleo. Como se
trata de uma estrutura com mais de 40 anos de
antiguidade, já mostra o sinal dos anos: as
tubulações estão muito deterioradas e as conexões
precárias. Se há algum tempo os derramamentos de
petróleo aconteciam nas imediações dos poços de
perfuração, agora são cada vez mais frequentes e
consistentes ao longo do oleoduto. Apenas nos
últimos cinco anos, foram documentados mais de 100,
de acordo com a Aliança Arkana, organização
internacional defensora dos povos amazônicos.
Ademais desses vazamentos de óleo
cru, nos rios são produzidos derramamentos — eram a
norma até pelo menos 2009 — das chamadas "águas de
produção". Tratam-se de águas muito quentes (de 80º
a 90º), salgadas e contaminadas com petróleo, metais
pesados (mercúrio, cádmio, bário, chumbo, arsênico,
etc.) e elementos radioativos. As consequências dos
vazamentos e derramamentos são devastadoras para a
flora, a fauna e as populações. Expostas à
contaminação cotidiana, as pessoas contraem
enfermidades muito diversas, algumas graves ou
mortais como tumores, insuficiência renal e danos ao
sistema nervoso.
Empresa
contaminadora
O responsável por todo isso é
conhecido: se chama Pluspetrol Norte, empresa
pertencente ao grupo petroleiro argentino Pluspetrol.
Opera nos lotes 1AB (explorado pela petroleira
estadunidense Occidental Petroleum até o ano 2000) e
8 (pertencente à estatal Petroperu até 1996 e, por
sua vez, dividido em cinco lotes separados menores).
Os lotes ocupam as bacias dos rios Corrientes,
Tigre, Pastaza e Marañón, e parte da Reserva
Nacional Pacaya-Samiria (lote 8X). Hoje em dia, as
águas desses rios estão altamente contaminadas,
assim como vastos territórios da reserva. Alguns
locais inclusive desapareceram, como a lagoa
Shanshococha, que se encontrava nas imediações do
lote 1AB.
A empresa se defende afirmando que
os vazamentos do oleoduto são causadas por atos de
sabotagem e vandalismo perpetrados por pessoas
pertencentes a comunidades indígenas, negando as
condições desastrosas em que se encontram as
tubulações. Quanto às "águas de produção", há alguns
anos, — assinala a empresa petroleira — são
reinjetadas no subsolo. Entretanto, é preciso
recordar que, há mais de uma década, a Pluspetrol
derrama em quatro rios amazônicos — todos afluentes
do rio Amazonas — até 1,1 milhão de barris de água
de produção por dia. Por último, a empresa
petroleira acusa suas predecessoras Occidental
Petroleum e Petroperu pelos danos nos sítios
ambientais. Isso em parte é verdade, mas — afirmam
as associações indígenas — ao assumir as concessões
a Pluspetrol também assumiu a responsabilidade de
reparar os danos prévios.
O temor mais difundido é que a
contaminação seja demasiado grave e que, para
recuperar um mínimo de equilíbrio no ecossistema,
sejam necessárias décadas, se não gerações. Enquanto
isso, observam Cadenas e Berjón, a comunidade kukama
vive na violência, tanto externa (enfrentamentos com
o Estado e as empresas), mas também interna
(embriaguez, violência doméstica, suicídios).
"Trabalhando em harmonia com o meio
ambiente e a comunidade", diz a propaganda
distribuída pela Pluspetrol. Uma piada que faria
qualquer um rir, mas não a empresa petroleira
argentina e as autoridades políticas que têm lhe
protegido até há pouco. (Extraído do portal
Adital)