México: Massacre
de estudantes expõe ligação de criminosos e
policiais
• Oitenta estudantes da escola
rural para professores Raúl Isidro Burgos, da cidade
de Iguala, viajavam em ônibus da empresa Costa Line
• No dia 26 de setembro, estavam se organizando para
coletar fundos para pagar a escola, uma das tantas
instituições rurais que, no México, representam a
única forma de obter um nível de educação aceitável
para milhares de estudantes
Por Federico
Mastrogiovanni,
da Cidade do
México para a Opera Mundi
Manifestação exige explicação sobre
o desaparecimento dos estudantes no México.
Quando já iam sair dali, alguns
patrulheiros da polícia municipal quiseram parar a
caravana, que não quis parar. Os policiais, então,
segundo o testemunho anônimo de um jovem presente no
local, começaram a disparar em direção aos ônibus. A
princípio, os policiais dispararam contra os ônibus,
mas, depois de algumas horas, quando os estudantes
davam uma coletiva de imprensa para denunciar o
ataque armados contra eles, outros homens sem
uniforme, que muitas testemunhas reconheceram como
policiais municipais, dispararam outra vez e, mais
tarde, encheram de balas outro ônibus no qual
viajavam jogadores da equipe local de futebol
Avispones.
O saldo foi de seis mortos, três dos
quais estudantes, e vinte feridos. Cinquenta e sete
estudantes despareceram, sendo que vinte deles, como
afirmam testemunhas oculares, foram levados à força
por policiais de Iguala e do Estado de Guerrero.
Quase duas semanas depois, 43
estudantes ainda estão desaparecidos. Graças à
pressão da imprensa e da sociedade civil, as
autoridades federais encontraram seis fossas comuns
clandestinas, com 28 corpos carbonizados. No entanto,
apesar da suspeita de que os corpos sejam de
estudantes desaparecidos, os mortos ainda não foram
identificados.
O prefeito de Iguala, José Luis
Abarca, suspeito de ter vínculos com a quadrilha dos
irmãos Beltrán Leyva, fugiu da cidade e permanece
foragido. Um depoimento também o acusa de ter matado
um líder camponês de Guerrero.
Além disso, foram expostos nas
últimas semanas os vínculos entre a polícia
municipal de Iguala e o grupo criminoso conhecido
como Guerreiros Unidos. Na segunda-feira (06/10),
esse grupo divulgou uma nota pedindo a libertação
dos 22 policiais presos, acusados pelo
desaparecimento e o assassinato dos estudantes.
"Governo federal, estatal e a todos
que nos apoiam: exigimos que liberem os 22 policiais
que estão detidos. Damos 24 horas para que os soltem
ou esperem as consequências. Começaremos a divulgar
os nomes dos funcionários do governo que nos
apoiaram. A guerra já começou", era o conteúdo da
nota.
Repercussão e outros casos
A repressão brutal do Estado não é
novidade nessa região do país: em 12 de dezembro de
2011, a polícia assassinou dois estudantes que
protestavam contra as condições da escola para
professores de Ayotzinapa, em um tiroteio que deixou
mais de 20 feridos.
"Nada mudou" afirma Abel Barrera,
diretor da organização de defesa de direitos humanos
Tlachinollan, ativa em Guerrero, que está cuidando
do caso dos jovens estudantes. "É o mesmo padrão de
impunidade das forças policiais que permite que
continuem cometendo os mesmos delitos. Não houve
qualquer julgamento político por parte do procurador
de Justiça do Estado, nem do secretário de Segurança
Pública".
Um dos jovens assassinados, cujo
corpo foi encontrado no sábado, dia 27 de setembro,
perto da zona industrial de Iguala, estava difícil
de ser reconhecido: esfolaram o rosto dele e
arrancaram os seus olhos. Foi o comitê estudantil da
escola rural que informou que se tratava de Julio
César Mondragón, estudante do primeiro ano da
licenciatura, procedente da Cidade do México, ao que
apelidavam, por esse motivo, de "o Chilango."
Outro exemplo de casos de agressões
de policiais ou soldados contra a população civil
ocorreu na ocasião do suposto massacre de 22 pessoas
na localidade de Tlatlaya, no Estado do México,
onde, no último dia 30 de junho, elementos do
Exército teriam entrado em confronto com criminosos.
Ou, pelo menos, era essa a versão da Secretaria de
Defesa Nacional. Mas uma testemunha, entrevistada
exclusivamente pela revista Esquire, relatou que os
soldados fuzilaram os 22 jovens, entre os quais uma
menor de idade, depois de eles terem se rendido. O
caso de Tlatlaya pode ser o massacre mais grave dos
últimos anos no México cometido pelo Exército.
"Pode-se falar de um padrão de
justiça com as próprias mãos", comenta Abel Barrera
a Opera Mundi. "Tanto Tlatlaya como Ayotzinapa são a
demonstração da total falta de controle interno
sobre as forças de polícia e militares. A resposta
do Estado é a repressão e a impunidade total. Além
disso, há falta de profissionalismo e um enorme
descontrole interno. Não há nenhuma formação para o
uso da força e dão armas letais para administrar a
ordem pública. E esses são os resultados".
A reação da comunidade estudantil
foi a tomada das ruas da cidade de Chilpancingo e
uma greve de trabalho indefinida, para exigir que os
culpados pelo assassinato dos estudantes sejam
castigados. Acadêmicos, trabalhadores
administrativos nas escolas e estudantes preparam
ações em todo o Estado e estão prontos para exigir o
julgamento político para o prefeito da cidade de
Iguala, José Luis Abarca, e do governador do Estado
de Guerrero, Ángel Aguirre Rivero.
A violência e as execuções
extrajudiciais dos últimos meses no México também
tiveram como consequência a intervenção do
secretário-executivo da CIDH (Comissão
Interamericana de Direitos Humanos), Emílio Álvarez
Icaza, que fez um pedido para os casos de
assassinato dos municípios de Tlatlaya e Iguala: "É
uma questão que preocupa e gostaríamos que a
mensagem seja poderosa do Estado de Direito. O
simples fato que essa discussão esteja acontecendo,
de um cenário possível de execução extrajudicial ou
de justiça com as próprias mãos, é da maior
gravidade, e é extraordinariamente importante que o
Estado mexicano mande uma mensagem poderosa de
investigação judicial".
A organização Tlachinollan, assim
como outras organizações, e a escola Raúl Isidro
Burgos exigem conhecer o paradeiro das vítimas de
desaparecimento forçado e a investigação dos
responsáveis pela violência. Nesta quarta-feira
(08/10), estão programadas manifestações em todo o
país em apoio aos jovens de Ayotzinapa. A pauta
desses protestos é a renúncia do governador Rivero e
o esclarecimento dos fatos em Iguala. (Extraído
do portal Vermelho)