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Reforma política da presidente Dilma já enfrenta
entraves
Mario
Osava
RIO DE JANEIRO,
Brasil.— A presidente Dilma Rousseff destacou a
reforma política como o primeiro desafio a enfrentar
em seu segundo mandato, entre os muitos que tem pela
frente, incluídas a deterioração econômica e a crise
energética. Mas sua grande promessa eleitoral já
começou a se complicar.
Sua proposta de
promovê-la mediante consulta popular e um plebiscito
é rejeitada por seu principal aliado, o Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), a nova
maior força parlamentar. O PMDB defende que o
Congresso Nacional protagonize a aprovação das
mudanças para sua posterior ratificação em
referendo.
A dissensão
pelos interesses em jogo enche de obstáculos o
caminho, embora seja praticamente consenso a
necessidade de mudar as regras políticas,
especialmente as eleitorais. Mais de 20 projetos de
lei e emendas constitucionais sobre o tema estão
parados no Congresso, fragmentado em 28 partidos a
partir de janeiro de 2015.
"Só uma
mobilização da sociedade poderá destravar a reforma
política", pressionando o Congresso que, "dominado
por interesses corporativos, não representa a
diversidade da população", afirmou Cândido
Grzybowski, diretor do não governamental Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).
O Brasil está à
beira do "impasse inconstitucional", ao calar a voz
de amplos setores, como as mulheres, os negros,
camponeses e indígenas, com baixa ou nenhuma
representação parlamentar, destacou o sociólogo, que
duvida da existência de condições para "revitalizar
a democracia" com mudanças efetivas.
Ao colocar o
tema na agenda, a presidente Dilma "dá visibilidade"
a uma necessidade desnudada nas eleições deste mês e
nos protestos sociais de junho e julho de 2013, que
"seguem latentes" e podem voltar a qualquer momento,
diante da falta de respostas, pontuou Grzybowski.
Para atender
essas manifestações de reclamações difusas, a
presidente propôs publicamente pela primeira vez um
plebiscito para autorizar uma assembleia
constituinte exclusiva para a reforma política.
Esta iniciativa
não teve apoio no Congresso, do qual depende a
convocação de um plebiscito, mas mobilizou 482
sindicatos, associações variadas e organizações não
governamentais que realizaram em setembro um
"plebiscito popular" no qual votaram 7,75 milhões de
pessoas, das quais 97% a favor da reforma política.
O poder
econômico domina o sistema eleitoral brasileiro e,
por fim, as decisões políticas. Latifundiários e
empresários somam 70% dos legisladores, enquanto
apenas 9% são mulheres e 8,5% afrodescendentes,
mesmo sendo maiorias, afirma o movimento em defesa
do "plebiscito constituinte".
Outra
iniciativa, a Coalizão pela Reforma Política
Democrática e Eleições Limpas, busca democratizar a
política mediante um projeto de lei que,
basicamente, pretende alterar três regras eleitorais
e fortalecer "mecanismos de democracia direta" em
decisões políticas cruciais.
As mudanças que
propõe são: proibir doações de empresas a campanhas
eleitorais, eleger deputados em dois turnos (um para
partidos e o segundo para os candidatos) e paridade
de gênero nas listas partidárias.
O objetivo é
corrigir "assimetrias" na disputa eleitoral que
atualmente é individual, pouco importando o partido
político e "esvaziando o debate de ideias e
propostas", explicou à IPS, de Brasília, um dos
assessores políticos da coalizão, Ricardo Durigan.
O financiamento
empresarial desequilibra o jogo e fomenta a
corrupção que mais tarde poderá influir em decisões
de interesse do doador. É o que se busca evitar,
adaptando-se o Fundo Democrático de Campanhas, com
recursos públicos, distribuídos aos partidos, e
contribuições pessoais limitadas a menos de US$ 300.
O partido que
tiver um candidato de "segmentos sociais
sub-representados", como negros e camponeses,
receberia 3% a mais da contribuição do fundo que
lhes caberia, detalhou Durigan.
"No Brasil não
há a cultura de doações pessoais" a partidos, mas se
criaria uma "oportunidade para envolver muitas
pessoas" diretamente nas eleições, acrescentou.
Outras regras buscam elevar a representação feminina
e o peso dos partidos, estimulando sua consistência
ideológica.
Uma "reforma
política democrática" é condição prévia para
impulsionar outras reformas, como a tributária,
também travada há décadas, apesar do consenso de que
o sistema tributário brasileiro é injusto, por taxar
mais os pobres, e excessivamente oneroso por
compreender dezenas de impostos, contribuições e
encargos.
A corrupção,
fomentada pelo sistema eleitoral vigente, aviva a
demanda por reformas. O escândalo da Petrobras,
gigantesca empresa estatal da qual teriam sido
desviados milhares de milhões de dólares entre 2006
e 2012, segundo investigações policial e judicial
ainda em andamento, agrega novos argumentos.
Controlar os
danos desse escândalo é outro desafio para a
presidente Dilma Rousseff, que também enfrenta a
deterioração econômica que quase lhe custou a
reeleição, obtida no segundo turno com apenas 51,6%
dos votos válidos.
Dados como
inflação acumulada anual de 6,75%, economia em
virtual paralisação, indústria em decadência,
dificuldades fiscais e forte déficit externo, taxas
de juros elevadas e desconfiança de empresários e
investidores em sua Presidência, se somam para
prognosticar dois anos de apertos para a economista
Dilma.
Para agravar o
panorama, se soma uma crise energética, desatada
pela seca que afeta o centro e o sudeste do Brasil
há mais de dois anos. Sem chuvas, caiu a geração
hidrelétrica, que fornece dois terços da
eletricidade nacional, forçando à operação de mais
termoelétricas que encarecem a energia, contrariando
outra promessa da presidente.
Seria irônico
Dilma Rousseff perder popularidade pelo agravamento
da crise energética, caso a seca se prolongue. Sua
carreira política decolou no Rio Grande do Sul, ao
comandar o setor energético entre 1999 e 2002,
evitando efeitos locais de apagão e do racionamento
elétrico que o país sofreu em 2001. Elevada à
condição de ministra de Minas e Energia em 2003,
reestruturou o sistema elétrico nacional de uma
forma que agora está em xeque. (Excertos
reproduzidos da IPS)
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