Mão de ferro
para governar a França
• Após o voto de castigo para
os socialistas, nas últimas eleições municipais, o
presidente francês deu uma guinada para a direita. A
nomeação de Manuel Valls desatou uma cisão no seio
da coalizão composta pelo Partido Socialista e os
Verdes
Eduardo Febbro
A França votou na direita e o
presidente socialista François Hollande elegeu
acompanhar os eleitores que deram ao Partido
Socialista uma das maiores punições eleitorais de
sua história, nas eleições municipais de finais de
março. No dia a seguir de uma derrota inédita, onde
o Partido Socialista (PS) perdeu mais de 155
municipalidades de mais de 9 mil habitantes, em
benefício da direita, o governo do primeiro-ministro
Jean-Marc Ayrault apresentou sua demissão. A seguir,
Hollande nomeou Manuel Valls, que até domingo 30 de
março ocupava o cargo de ministro do Interior, novo
chefe do Executivo. A mudança é tão radical como
incerta a aposta do presidente, que optou por um
homem com mão de ferro, que nada tem a ver com a
social-democracia mole que encarnou até hoje,
durante seus dois anos de presidência. Manuel Valls,
que é o ministro mais popular do governo, é o que
realmente se conhece como um social liberal, isto é,
um adepto do trabalhista britânico de Tony Blair. Em
uma breve alocução televisionada, Hollande prometeu
"um governo reduzido e de combate". Este último
termo expressou-se de imediato no terreno real. A
nomeação de Valls desatou uma cisão no seio da
coalizão, composta pelos verdes e os socialistas.
Dois ministros verdes do anterior governo, Cécile
Duflot e Pascal Canfin, respectivamente ministros de
Habitação e Desenvolvimento, anunciaram que não iam
fazer parte do Executivo de Valls. Ambos
consideraram que sua nomeação "não é a resposta
adequada aos problemas dos franceses".
A direita socialista aplaude. Não é
para menos. O eleitorado que levou Hollande a galgar
o poder, em 2012, o abandonou nas eleições
municipais. Porém o presidente, além de suas
palavras, promoveu um social-liberal. Hollande disse
em seu discurso que tinha entendido a "clara
mensagem" das urnas: um protesto pela "mudança
insuficiente, a excessiva lentidão, a falta de
trabalho, a escassa justiça social e demasiados
impostos". Contudo, os fatos não permitem vaticinar
nenhuma mudança substancial da política que
implementou até hoje. O Le Nouvel Observateur
elogia a promoção de Valls: "Deve-se justamente ao
fato de que Hollande não pensa questionar esta
política de saneamento das contas públicas, de
diminuição do custo da mão-de-obra e de melhoramento
da competitividade do nosso aparelho industrial que
Manuel Valls se tornou inevitável". Este canto à
austeridade, como receita para sair da crise,
continua com um elogio ao socialismo liberal que
identifica a figura de Manuel Valls: por acaso há
alguém melhor que o ex-ministro do Interior,
herdeiro do blairismo e social-liberal reivindicado,
para encarnar este expurgo. O presidente deixou
escapar uma lágrima para sua esquerda quando
prometeu um "pacto de solidariedade" e uma
diminuição dos impostos, daqui até 2017. Com o
"pacto de solidariedade", Hollande busca atenuar as
consequências da pedra angular de seu mandato, o
famoso e polêmico "pacto de responsabilidade"
mediante o qual se instaura uma diminuição das
cotações sociais que pagam as empresas, em troca de
que contratem pessoal. O pacto também prevê cortes
nas despesas públicas, avaliados em 50 bilhões de
euros.
Em resumo, o presidente que foi
eleito contra as imposições liberais e os cortes
teledirigidos de Bruxelas interpretou o voto como um
reclame de mais austeridade, mais reformas, mais
autoridade e maior obediência ao sistema financeiro.
Como aconteceu com a direita, quando Nicolas Sarkozy
foi eleito, em 2007, entre o François Hollande
candidato da esperança igualitária e o François
Hollande presidente há um abismo ou uma zombaria
coletiva.
Parece que os presidentes que a
França elege ultimamente têm a vocação de fazer
exatamente o contrário do que prometem em suas
plataformas eleitorais.
Porta-bandeira da esquerda liberal
no campo econômico, Manuel Valls assume o poder com
um amplo apoio popular (63%) mas com escassas
divisões próprias. Nas eleições primárias do PS para
designar em 2011 seu candidato presidencial, Valls
conseguiu apenas 5,6% dos votos. O novo primeiro-ministro
é a ovelha negra da (chamada, n.r) esquerda do PS,
dos ecologistas e dos aliados da Frente da Esquerda,
de Jean Luc Mélenchon. Sua passagem pelo Ministério
do Interior deixou muitas polêmicas e decepções. Sua
forma de atuar ante o tema migratório e seus alardes
públicos com o número de expulsões de estrangeiros
serviram-lhe para ser alcunhado de "coveiro" da
linha firme porém humanista que Hollande prometeu
aplicar com o tema dos estrangeiros (outro
descumprimento). As estatísticas demonstram que sua
ação não foi diferente da de Sarkozy. Em 2013,
Manuel Valls ordenou o desalojo de 20 mil ciganos,
muito mais que Sarkozy.
Hollande promoveu um homem onde se
conjugam dois sentidos: eficácia e autoridade. Um
traje perfeito para consolar as urgências
neoliberais de Berlim e Bruxelas. Talvez o recém
eleito chefe do Executivo possa dar corpo e alma a
um projeto político e de sociedade e seja muito mais
que o vendedor de um catálogo de ajustes, cortes e
sacrifícios. Mas nada poderá apagar o campo de
ruínas que hoje apresenta a presidência: em 2008, os
socialistas administravam 509 municipalidades de
mais de 10 mil habitantes e a direita, 433. Em 2014
ficaram somente com 349, contra 572 para os
conservadores. E por primeira vez em sua história, a
extrema direita da Frente nacional venceu em 14.
Hollande dilapidou essa fortuna que é a legitimidade
popular. As correntes progressistas acabam de
enterrar suas últimas expectativas. Aqueles que
lembrem a gloriosa noite da praça da Bastilha,
quando, há dois anos, o "povo da esquerda" saiu para
festejar a vitória de François Hollande, sentem que
isso aconteceu há um século, em outro país, em outra
dimensão da realidade. Ser da esquerda ou
moderadamente social democrata virou infinita
serpentina de desencantos. (Excertos
extraídos do Rebelion)