NO 55º ANIVERSÁRIO DA REFORMA AGRÁRIA
Um telescópio terrorista
Gabriel Molina Franchossi
NOS
primeiros meses do ano 1959, dos que nestes dias se
completam 55 anos, a Revolução liderada por Fidel
Castro tentou implementar seu programa, sem
hostilidade para com Washington e sem cumplicidade
com o cruento período de sete anos que o país tinha
vivido com o ditador Fulgencio Batista.
Mas
o verniz conservador do governo da época, liderado
pelo magistrado Manuel Urrutia, estimulado pelos
representantes dos Estados Unidos, tinha uma
tendência ao imobilismo político, econômico e
social. Dentro dessa própria administração, os
representantes do Movimento 26 de Julho notificaram
a Fidel que com essa equipe não poderiam avançar,
caso ele não a liderasse.
Em
13 de fevereiro de 1959, Fidel tomava posse da
chefia do governo, substituindo Miro Cardona, até
esse momento primeiro-ministro. Nesse próprio mês,
tendo transcorrido apenas 50 dias da fuga do tirano,
já o governo dos Estados Unidos negava créditos
modestos a uma delegação do Banco Nacional que os
solicitava, com o objetivo de sustentar a moeda
cubana. O tesouro público estava afetado devido à
sustração de 424 milhões de dólares, feita em 1º de
janeiro de 1959, quando foram recebidos nos Estados
Unidos, junto dos autores dos crimes mais
abomináveis contra o povo cubano, muitos dos
protagonistas do saque do tesouro.
“Os
foragidos tinham saqueado as reservas monetárias da
República. Levaram o enorme butim, segundo o The New
York Times, com a ajuda da Embaixada dos EUA, para
ser depositado em bancos estadunidenses. As
consequências de semelhante golpe para qualquer país
seriam incalculáveis... na saída de Batista as
reservas monetárias do país foram esvaziadas” (1) O
governo provisório cubano comportou-se com simples
moderação. Solicitou um empréstimo ao governo dos
EUA para tentar salvar a moeda nacional. O Conselho
Nacional de Segurança, reunido na Casa Branca, em 12
de fevereiro, determinou não dar nem um tostão nem
prometer nada. Era uma antecipação do que viria
depois, em forma de cruentos atentados e sanções
cinquentenárias.
Em
janeiro e fevereiro de 1959, Cuba ainda não tinha
adotado nenhuma medida radical contra os interesses
dos Estados Unidos. Porém, na sua alegação conhecida
como “A História me Absolverá”, Fidel Castro havia
prometido a reforma agrária, tal como estabelecia a
Constituição de 1940, a qual proscrevia o latifúndio
e anunciava uma lei para distribuir a terra entre os
camponeses. Essa lei não teria sido nem sequer
ponderada, apesar de que a sua necessidade era
reconhecida até pela Agrupação Católica
Universitária. Tinha ao seu favor o consenso mais
amplo da população cubana.
O
governo revolucionário promulgou a lei que incluiu
no seu texto — e que cumpriu rigorosamente — a
compensação aos antigos proprietários, incluindo os
antigos donos dos grandes latifúndios
estadunidenses. A estes últimos lhes seria pago o
valor da terra com excedentes que se esperava obter
com as exportações de açúcar de Cuba para os EUA. Em
4 de abril de 1960, cumprindo a Lei da Reforma
Agrária, que tinha sido promulgada por Fidel, em 17
de maio de 1959, iniciou-se o dossiê de expropriação
contra o poderoso monopólio United Fruit Sugar Co.,
que possuía 109,700 hectares de terra, assim como
instalações, edifícios, gado, maquinarias e demais
bens. A dita Lei provocou imediatamente a fúria dos
vizinhos do Norte.
O
governo desse país tinha seus planos. Cinco dias
após ter sido promulgada a lei, o Departamento de
Estado comunicava a seu Embaixador em Havana: “a Lei
da Reforma Agrária está causando grande consternação
no governo dos Estados Unidos e nos círculos
açucareiros norte-americanos”. (2)
Em
dezembro de 1960, o líder cubano falou acerca da lei
na ONU: “Sem reforma agrária nosso país não teria
podido dar o primeiro passo rumo ao desenvolvimento.
E, efetivamente, nós demos esses primeiro passo:
fizemos uma reforma agrária. Era radical? Era uma
reforma agrária radical. Fizemos uma reforma agrária
ajustada às necessidades de nosso desenvolvimento,
ajustadas às nossas possibilidades de
desenvolvimento agrícola. Como é que íamos pagar?
Naturalmente, o primeiro que se devia perguntar era
com que íamos pagar, não como, mas sim com que.
Vocês podem imaginar que um país pobre,
subdesenvolvido, com 600 mil desempregados, com um
índice tão alto de analfabetos, de doentes, cujas
reservas estavam esgotadas, que tinha contribuído à
economia de um país poderoso, com um bilhão de
dólares em dez anos, possa ter com que pagar as
terras que iam ser afetadas pela lei agrária, ou
pelo menos pagá-las nas condições que queriam que
fossem pagas? O que é que nos expôs o Departamento
de Estado norte-americano, como aspirações dos seus
interesses afetados? Três coisas: o pagamento
imediato..., pagamento imediato, eficiente e justo.
Vocês entendem esse idioma? Pagamento imediato,
eficiente e justo. Isso quer dizer: Pagamento agora
mesmo, em dólares e o que nós peçamos pelas nossas
fazendas”.
Em
Washington determinaram castigar Cuba. A primeira
ideia que tiveram foi a supressão de sua cota
açucareira no mercado norte-americano. A indústria
açucareira, pensavam eles, sofrerá uma queda
abrupta. Portanto, o governo de Eisenhower continuou
suas sanções no terreno econômico. Com a negação dos
créditos e depois com as ameaças de supressão da
cota açucareira no mercado norte-americano, suas
consequências as percebiam desta maneira: “Se
tiramos a Cuba sua cota, a indústria açucareira
sofrerá rapidamente uma queda abrupta, causando
desemprego generalizado. Muitas pessoas ficariam sem
emprego e começariam a sofrer fome... a maioria dos
cubanos apoia Castro [ ...] o único modo previsível
de restar-lhe apoio interno é através do
desencantamento e a insatisfação que surgirem do
mal-estar econômico e as dificuldades materiais [
...] é preciso empregarmos rapidamente todos os
meios possíveis para enfraquecer a vida econômica de
Cuba [ ...] uma linha de ação que, ainda sendo a
mais manhosa e discreta possível, consiga os maiores
avanços no sentido de privar Cuba de dinheiro e
suprimentos, para reduzir seus recursos financeiros
e os salários reais, provocar a fome, o desespero e
o derrubamento do governo”.
Mas
a URSS veio na ajuda de Cuba: em 13 de fevereiro de
1960, Anastas Mikoyan assinou por parte da URSS um
acordo mediante o qual se comprometia a comprar 460
mil toneladas de açúcar, em 1960, e um milhão de
toneladas anuais, nos quatro anos seguintes. Ainda,
concedia um crédito de US$ 100 milhões, com juros de
2,5% anual, para a compra de equipamentos. O
secretário de Estado americano reconhecia que as
“sanções” equivaliam a uma “guerra econômica”. Com
efeito, as colocaram em prática. Suprimiram a cota
açucareira e implementaram, depois, outras medidas
até conformarem a intrincada madeixa do chamado
embargo que o mundo acha conhecer. Realmente é
conhecido, sobretudo pela sua antiguidade, mais de
meio século, mas não pelo incrível rigor com que
pretender castigar não só Cuba. Medidas mais
rigorosas que aquelas aplicadas a Hitler, protegido
dos Dulles e dos Bush. Após 55 anos de castigos,
levam estas medidas a termos incríveis, em pleno
século 21. Castigam seus próprios parceiros. Nos
últimos dias do recente mês de março, soube-se que a
empresa mexicana Micra fechou, em agosto de 2011, a
venda de um microscópio, avaliado em US$ 100 mil, ao
Centro de Estudos Avançados de Cuba, que o tinha
pagado com antecipação. Mas o Foreign Assets Control
(OFAC), do Departamento do Tesouro dos Estados
Unidos congelou o dinheiro e os mexicanos Carlos
Segovia e Roberto Villaseñor, representantes da
Micra, levam três anos reclamando esse despojo ao
governo dos EUA e ao Banamex City Bank, filial da
Banamex nesse país, sem obter nenhum resultado. Onde
poderiam ser achadas as justificativas para tamanha
atuação.
Cuba era acusada de promover a subversão ou, para
estar mais na moda da mídia, é acusada e tem sido
declarada terrorista. Depois, seria preciso pensar
numa sorte de telescópio terrorista, próprio do
chefão do OFAC. No 55º aniversário da Reforma
Agrária, o governo de Obama concorre com o de Bush
na hora de zombar do Direito Internacional. Depois,
pretende espantar-se de que os bancos
norte-americanos se recusam a levar contas do
governo de Cuba, pondo em perigo os próprios
interesses dos EUA.
(1)
Foreign Relations of the United States (FRUS) Doc.
254, p 405 e 250, ps. 397-398.
(2)
(FRUS)
Doc. 308, p 510.