Ébola ameaça
desenvolvimento
da Libéria
Antonio Vigilante*
MONRÓVIA.— A epidemia do Ébola
continua afetando a vida e os meios de sobrevivência
da população da África Ocidental, enquanto o
atendimento se focaliza não só nos aspectos
sanitários da crise, mas também em suas
consequências sociais e econômicas.
Com certeza, os aspectos humanos e
médicos da crise continuam em primeiro plano. A
perda dum familiar próximo ou de um parente é
devastadora.
O setor da saúde está sob pressão
para lidar com os doentes e, inclusive, para
proteger seus próprios trabalhadores do contágio.
Também há consequências sanitárias
para aqueles que não estão afetados pelo Ébola, já
que o acesso ao atendimento médico diminui devido ao
fechamento de hospitais e clínicas, a perda de
pessoal médico e de enfermagem e ao aumento das
tarifas dos profissionais privados da saúde.
A cobertura de vacinação, por
exemplo, tinha caído para 50%, em julho.
As mulheres grávidas lutam por um
atendimento materno especializado e nalguns casos
são rejeitadas pelas poucas instituições que ainda
funcionam.
O fechamento dos centros de saúde
interrompeu o tratamento das pessoas com Aids, que
recebem medicamentos antiretrovirais e daquelas
pessoas com doenças crônicas. O sistema de saúde
pública praticamente colapsou nalgumas partes das
zonas mais afetadas pela epidemia.
Antes da crise atual, a economia da
Libéria teve um crescimento impressionante, de até
8,7% em 2013. Neste ano projetava-se uma queda do
crescimento do PIB para 5,9%, já que a produção
mineira se estabilizou temporariamente, junto com a
queda dos preços internacionais do caucho e do
ferro.
O PIB cresceria 6,8% em 2015 e 7,2%
em 2016, segundo essa projeção. Mas agora que a
atividade econômica diminuiu, na maioria dos setores
será preciso rever essas previsões de crescimento.
Também existe uma questão de fundo
que nos preocupa. O impressionante crescimento
recente da Libéria não foi equitativo nem inclusivo.
Aproximadamente 57% dos cerca de quatro milhões de
habitantes do país são pobres e 48% desse setor vive
em situação de extrema pobreza.
A falta de desenvolvimento
equitativo e includente significa que mais de metade
dos habitantes, especialmente as mulheres, as
meninas e os meninos, são particularmente
vulneráveis aos choques e às crises.
Definitivamente, isto faz com que o país todo seja
menos sólido e tenha uma capacidade menor para
defrontar crises de qualquer magnitude.
Parte do desafio que radica na
recuperação dos meios de vida é de natureza
psicológica. Afinal, o medo e o isolamento podem
acabar com mais vidas do que o próprio vírus do
Ébola, se as empresas não trabalham, se os meios de
sobrevivência somem e os serviços públicos não
funcionam.
A redução das receitas fiscais é
acompanhada da diminuição na capacidade de resposta
estatal às crises. Prevê-se que as receitas
diminuam, na medida em que o Ébola continue dando
cabo da vida dos liberianos e o governo mantenha as
restrições às viagens, como parte do estado de
emergência.
É possível que esta situação
repercuta, em breve, no pagamento dos salários dos
empregados públicos, o qual poderia paralisar o país
ainda mais. A confiança no governo também está em
jogo, na medida em que se torna cada vez mais
incapaz de proteger seus cidadãos e prestar os
serviços que estes necessitam com urgência.
Simultaneamente, os preços dos
alimentos cultivados no país e dos importados
aumentam, devido a que o estado de emergência, os
bloqueios militares das estradas e as restrições
para viajar obstaculizam o comércio. O ciclo vicioso
da queda da demanda dos consumidores e a baixa nos
níveis das receitas faz piorar esta tendência.
Com este panorama, é fundamental pôr
em andamento mecanismos adequados de proteção
social, pois a situação faz com que as famílias não
possam pagar os serviços de alimentação e saúde.
Isto não só contribuiria com a
melhora da estabilidade e a previdência social, mas
também tornaria mais sólida e resistente a sociedade
da Libéria em seu conjunto.
De fato, boa parte da população
necessita assistência pública. Os últimos dados
indicam que cerca de 78% da força de trabalho está
numa situação de emprego vulnerável. Em contraste,
os empregados com remuneração formal,
aproximadamente 195 mil pessoas, representam só 5%
do total de habitantes.
Aproximadamente 13% dos lares não
têm acesso a uma alimentação suficiente e 28% são
vulneráveis à insegurança alimentar. Se os setores
mais pobres conseguem aceder a algum tipo de
mecanismo de proteção social, isso lhes permitirá
resistir melhor a crise atual, bem como as futuras.
Nas partes mais remotas do país,
longe do bulício da capital, Monróvia, também é
necessário fortalecer a capacidade das autoridades
locais para manipularem a crise; por exemplo,
mediante a melhora dos mecanismos de monitoramento e
fornecimento de equipamentos de proteção àqueles que
estão em contato direto com os pacientes do Ébola e
com os cadáveres.
O ressurgimento da crise do Ébola em
julho e seu agravamento gradual, até se tornar
emergência nacional na Libéria concentraram a
atenção e os recursos à disposição das autoridades
para conter o vírus.
Nesta fase da crise torna-se
necessário agir em todos os fronts para lidar com os
devastadores desafios sanitários, sociais e
econômicos antes que a Libéria e outros países
afetados vejam desaparecer paulatinamente as
conquistas ganhas com esforço, no item do
desenvolvimento. (IPS)
* Este é um artigo de
opinião de Antonio Vigilante, representante especial
adjunto do secretário-geral da Organização das
Nações Unidas para o Desenvolvimento na Libéria.