A balcanização
do Iraque
Manlio Dinucci
A ofensiva do Emirado Islâmico no
Iraque e o Levante (EIIL), no Iraque, não
surpreendeu aos Estados Unidos, pela razão simples
de que os comandantes históricos dessa força
yihadista já eram oficialmente aliados da OTAN na
Líbia.
Apesar de todos os exageros
retóricos de Washington, a ofensiva do Emirado
Islâmico no Iraque e o Levante no território
iraquiano faz parte da estratégia tendente a
esfacelar o Iraque, aprovada pelo Senado americano,
em 2007, e como resultado de uma proposta de Joe
Biden.
Se aquilo afirmado em Washington
fosse certo – que a ofensiva iraquiana do EIIL,
também conhecido em árabe como Daesh, realmente
surpreendeu aos Estados Unidos – o presidente Obama
teria que demitir imediatamente todos os dirigentes
da comunidade de inteligência dos Estados Unidos, à
que pertencem a CIA e as inúmeras agências federais
que se dedicam à espionagem e à execução de
operações secretas americanas em escala mundial.
Mas, não há dúvidas de que, pelo
contrário, esses dirigentes receberam, em privado,
as felicitações do presidente. O EIIL é, em
realidade, uma ferramenta da estratégia americana de
destruição dos Estados, mediante guerras secretas.
Vários de seus chefes provêm das formações islâmicas
líbias que, inicialmente classificadas como
terroristas, foram armadas, treinadas e financiadas
pelos serviços secretos dos Estados Unidos para
derrubar Muammar al-Gaddafi.
E é o próprio EIIL que vem
confirmá-lo, ao comemorar a morte de dois de seus
comandantes líbios. Trata-se de Abu Abdullah
al-Libi, quem combateu na Líbia antes de sua morte
na Síria – em 22 de setembro de 2013 – às mãos de um
grupo rival; e Abu Dajana, quem também lutou na
Líbia e morreu na Síria, em 8 de fevereiro de 2014,
durante um enfrentamento com um grupo de Al-Qaeda,
que anteriormente tinha sido seu aliado.
Quando se iniciou a guerra secreta
pela derrocada do presidente Bashar al-Assad
inúmeros combatentes que se encontravam na Líbia
chegaram à Síria, onde se uniram a outros, a maioria
dos quais não eram sírios mas provinham do
Afeganistão, Bósnia-Herzegóvina e Tchechênia, entre
outros países. Foi precisamente na Síria onde o EIIL
ganhou grande parte de sua força. E foi também na
Síria onde os "rebeldes", infiltrados nesse país, a
partir da Turquia e a Jordânia, receberam
carregamentos de armas, provenientes também da
Croácia, através de uma rede organizada pela CIA
(rede cuja existência foi, inclusive, documentada em
uma reportagem do The New York Times.
Acaso é possível que a CIA e as
demais agências americanas – que dispõem de uma
muito vasta rede de espiões, de eficazes drones e de
satélites militares – não soubessem que o EIIL
estava preparando uma ofensiva de grande envergadura
contra Bagdad, ofensiva muito precedida por uma
série de atentados? É evidente que não podiam
ignorá-lo. Então por que Washington não deu o alarme
antes do início desta ofensiva? Porque seu objetivo
estratégico não era defender o Estado iraquiano a
não ser controlá-lo.
Depois de ter esbanjado mais de US$
800 bilhões nas operações militares da segunda
guerra do Iraque, Estados Unidos vê agora como a
China está cada vez mais presente no Iraque. China
está comprando perto da metade da produção
petroleira iraquiana, em pleno aumento, e está
fazendo grandes investimentos na sua indústria de
extração.
E ainda há mais. Em fevereiro,
durante a visita do ministro chinês das Relações
Exteriores, os governos da China e o Iraque
assinaram em Bagdad vários acordos para a entrega de
equipamento militar chinês ao governo iraquiano. Em
maio, o premiê iraquiano Nuri al-Maliki participou
da Conferência de Interação e Medidas de Confiança
na Ásia (CICA, siglas em inglês) realizada em Xangai,
na qual também participou o presidente do Irã,
Hassan Rohani. É bom lembrar, também, que em
novembro de 2013, o governo de al-Maliki desafiou o
embargo americano ao Irã, ao assinar com Teerã um
acordo para a compra de armamento iraniano por uma
quantia total de US$ 195 milhões.
É nesse palco que se produz a
ofensiva do EIIL, que incendeia o Iraque recorrendo
ao material altamente inflamável, que encontra na
rivalidade entre sunitas e xiítas, uma rivalidade
que a política de al-Maliki acrescentou. Isto
permite aos Estados Unidos reativar sua estratégia
destinada a conseguir o controle do Iraque.
Diante deste panorama, não podemos
perder de vista o plano que o atual vice-presidente
norte-americano Joe Biden apresentou ao Senado, em
2007, plano que prevê a descentralização do Iraque
em três regiões autônomas: curda, sunita e xiíta,
com um governo central limitado a Bagdad. Noutras
palavras, o desmembramento do Iraque. (Extraído
da Rede Voltaire)