Estados Unidos e a OTAN ficam no
Afeganistão
Manlio Dinucci
O
acordo com o Afeganistão que Washington tanto
desejava e que esteve cancelado durante quase um
ano, porque o presidente Karzai se negava a
assiná-lo, foi finalmente assinado, em meio a um
grande desdobramento da mídia... no dia a seguir da
posse do novo presidente Asharaf Ghani. Trata-se dum
“acordo de cooperação em segurança e defesa” — além
de um prefácio e um anexo, tem 26 artigos
subdivididos em 116 pontos — que contém tudo aquilo
que Washington queria obter das autoridades afegãs.
Graças a esse acordo, válido como mínimo até 2024
e, inclusive, uns anos mais, os Estados Unidos
poderão manter no Afeganistão uns 10 mil militares
cuja missão — depois do fim formal da “missão de
combate”, em 31 de dezembro de 2014 — consistirá
oficialmente em “aconselhar” (dirigir), treinar,
equipar e respaldar as forças de segurança afegãs.
Boa parte do contingente estadunidense serão forças
de operações especiais que realizarão “missões de
contra-terrorismo” no território afegão. Embora não
esteja especificado no acordo, vai-se manter o uso —
com fins antiterroristas — de drones armados,
helicópteros e caça-bombardeiros, a partir de bases
terrestres e porta-aviões estadunidenses desdobrados
em zonas próximas.
Embora no acordo se especificasse formalmente que
os Estados se comprometem a observar “pleno respeito
à proteção e segurança dos afegãos, incluindo suas
casas”, as forças especiais estadunidenses são
autorizadas a irromper nas moradias da população
afegã, um ponto rejeitado por Karzai.
E
os militares estadunidenses continuarão sendo de
fato imunes à aplicação das leis afegãs, já que no
artigo 13º do acordo, o Afeganistão aceita que “os
Estados Unidos tenham direito exclusivo a exercer a
jurisdição” sobre seus próprios militares que
“cometam qualquer delito criminoso ou civil” no
Afeganistão.
No
artigo 7º o acordo estabelece que:
“O
Afeganistão autoriza os Estados Unidos a utilizar
instalações e áreas selecionadas de comum acordo e
exercer todos os direitos necessários para seu uso
operativo e controle, incluindo o direito a
empreender novos trabalhos de construção”.
Noutras palavras, o acordo autoriza os EUA a
manterem e reforçarem as bases militares no
Afeganistão.
Embora o artigo 7º não especificasse de quais
instalações se trata, o anexo contém uma lista que
classifica como “pontos oficiais de embarque ou
desembarque” das forças estadunidenses sete bases
aéreas (Bagram, Kabul, Kandahar, Shendand, Herat,
Mazar-e-Sharif e Shorab) e cinco bases terrestres
(Toorkham, Spinboldak, Toorghundi, Hairatan e
Sherkhan Bandar).
O
Afeganistão também concede aos EUA uma autorização
para “situar equipamento, suprimentos e material
militar nessas instalações e áreas e noutras
selecionadas de comum acordo”.
Sob
essa linguagem se oculta o desdobramento no
Afeganistão do armamento e equipamento necessários
para um conflito regional em grande escala, como
seria uma guerra contra o Irã.
Em
troca disto, o governo do Afeganistão receberá dos
EUA e de outros “aliados” (como a Itália) uma ajuda
econômica, avaliada em US$4 bilhões cada ano, que —
tal como a ajuda exterior — terminará nos bolsos da
classe dominante, consideravelmente enriquecida com
os bilhões da OTAN, os subornos e o tráfico de
droga.
Imediatamente depois da assinatura do acordo entre
os EUA e o Afeganistão, foi assinado o “acordo entre
a OTAN e o Afeganistão sobre o status das forças”,
similar ao anterior. Esse acordo permite manter no
Afeganistão, além dos já mencionados militares
estadunidenses, entre 4 mil e 5 mil militares de
outros países, a maioria britânicos, alemães,
italianos e turcos.
Por
tal motivo, os militares italianos continuarão no
Afeganistão, onde a força aérea italiana continua
operando com aviões de transporte C-130 e de guerra
eletrônica EC-27, pertencentes à 46ª brigada aérea
de Pisa e com drones Predator do 32º esquadrão de
Amendola, e onde continuarão operando com maior
intensidade que antes as forças especiais,
atualmente fortalecidas pela criação do comando
unificado, instalado na cidade italiana de Pisa.
E a
guerra, em sua variante secreta, continuará deixando
novas vítimas no Afeganistão, um país que por estar
situado a meio caminho entre a Ásia central, o sul
da Ásia e as regiões ocidental e oriental desse
continente, adquire agora maior importância na
estratégia dos EUA e da OTAN, que avançam rumo a um
novo confronto com a Rússia e, finalmente, com a
China.
(Rede
Voltaire)