Espanha e o
fantasma da República
FELIPE VI
iniciou seu reinado na Espanha, em meio duma difícil
conjuntura econômica e dum dinâmico movimento
cidadão, que está pedindo um referendo para
determinar entre um Estado monárquico ou um
republicano.
Com a
entrada em vigor da lei de abdicação, na Boletim
Oficial do Estado, às 00.00 horas de 19 de junho, o
filho de Juan Carlos de Borbon se converteu no rei,
após seu pai ter abdicado, em 2 de junho passado.
Uma chave
para seu reinado deve ser a evolução política da
sociedade espanhola, nos próximos 15 meses, até as
eleições gerais, período que possuem os partidos
monárquicos para reverterem sua queda abrupta.
Essas
eleições devem resolver a contradição atual, dada
por um Parlamento com 90% de deputados que apoia a
Coroa e um movimento cidadão em crescimento, que
está pedindo um referendo sobre o tipo de Estado de
que gostariam os espanhóis, com o respaldo de 62 %
da população, segundo a sondagem.
O alerta
foi dado nas eleições ao Parlamento Europeu, de 25
de maio passado, quando sofreram uma derrota
estrondosa os partidos Popular (PP) e Socialista
Operário (PSOE), que com mais de 80% dos deputados
conformam hoje o suporte parlamentar da monarquia.
Caso se
manter a tendência atual de intenção de voto, ambas
as organizações não atingirão 50% das cadeiras, após
as eleições gerais de setembro de 2015, apenas 15
meses depois da proclamação do rei novo.
Tanto a
Esquerda Unida como Podemos, os partidos que ocupam
a terceira e quarta colocação, quanto ao número de
votos nas eleições europeias, promovem — junto a
outras agrupações políticas — uma nova Constituinte
para abolir a monarquia parlamentar, aprovada em
referendo em 1978.
O futuro de
Felipe VI depende, portanto, da possibilidade de que
o PP e o PSOE possam enfrentar a perda de apoio
popular e do jeito em que a IU e Podemos, junto das
forcas aliadas consigam materializar a tendência
apreciada nas urnas, em 20 de maio passado.
Outro
aspecto importante é que a direção do PSOE —
principal partido da oposição — possa neutralizar,
para essa altura, um levante incipiente nas suas
fileiras, por parte de setores que, como mínimo,
acreditam que se deve apoiar a proposta do
referendo.
O
secretário-geral do PSOE, Alfredo Pérez Rubalcaba,
teve de apelar à disciplina do partido para garantir
o voto a favor da sucessão dos deputados do partido
que, segundo admitiu ele próprio, tem profundas
raízes republicanas.
Rubalcaba
explica a contradição com o argumento que o PSOE faz
parte do consenso de 1978 para a transição da
ditadura de Francisco Franco (1939-1975), com a
aceitação da monarquia parlamentar como fórmula de
estabilidade, em momentos muito complicados.
Os setores
mais novos do partido não mostram o mesmo
compromisso com aquela decisão e a evolução deste
setor poderá ter também uma influência importante
nas ocorrências futuras.
Não sabemos
se funcionará a reativação econômica que o governo
considera está em andamento, para sair duma crise
que tem afetado, da mesma forma, os partidos PP e
PSOE e a credibilidade do sistema todo.
Com Felipe
VI, a Casa Real ganha rostos novos e afasta figuras
envolvidas em casos de corrupção que levaram os
populares a dar à Coroa a qualificação de 3,7 de 10,
numa sondagem do Centro de Pesquisas Sociais,
dependente do ministério da Presidência.
O movimento
republicano tem o apoio de setores fora da política,
como no ramo da cultura, do qual saiu, há poucos
dias, uma declaração que pergunta como pode ser
mudada a chefia do Estado sem ser escutada a opinião
dos cidadãos.
“O modelo
de Estado, aprovado em 1978, — afirma o documento —
não tem por que ser inabalável nem para sempre,
porque estamos no século 21 e pensamos que não se
deve herdar um Estado como um patrimônio privado.
Acreditamos no princípio da igualdade sem
privilégios, em toda democracia, na soberania do
povo e que está na hora de reivindicar o exercício
desse direito no referendo”, assinala a declaração
assinada pelos intelectuais (PL)