Vietnã continua
espantando o mundo
• Passados 69 anos da
declaração da República Democrática do Vietnã (atualmente
chamada República Socialista do Vietnã) a nação mais
oriental da península da Indochina continua sendo o
bojo da atenção
Lisanka
González Suárez
SE na década de 50 do século passado
os vietnamitas causaram espanto por terem vencido o
colonialismo francês, na década de 70 despertaram a
admiração e curiosidade por causa da derrota
desferida à maior potencia do mundo, apesar do alto
poder de fogo de que esta dispunha. Muitos
especialistas e estrategistas militares se
perguntaram como é que foi possível aquele desfecho
entre um país pequeno e pobre e uma potência
econômica como os Estados Unidos. Alguns não tiveram
em conta a cultura e a história ancestrais dessa
nação, cujos descendentes estiveram lutando, durante
séculos, contra os franceses, os britânicos, entre
outros, agora contra os estadunidenses, pois os
vietnamitas sabiam como lutar para defender suas
terras, suas famílias e seus recursos naturais.
Segundo
as estatísticas, os norte-americanos despejaram
sobre esse território sete milhões de bombas, três
vezes mais que durante a Segunda Guerra Mundial.
Eles diziam que queriam fazer recuar
o Vietnã até a Idade de Pedra — segundo me contou o
primeiro embaixador de Cuba nesse país, Mauro García
Triana — pelo qual nessa mesma etapa, que foi
crítica e decisiva, incrementaram suas forças até
chegar a ter 545 mil homens, mais quase meio milhão
dos soldados do exército do sul e os sul-coreanos,
filipinos, australianos e tailandeses que se uniram
a eles, o que ultrapassava o milhão de efetivos,
enquanto o Vietnã dispunha de meio milhão, contando
com as forças de autodefesa e as das aldeias.
Um exemplo eloquente disso aparece
no livro The 11 Days of Christmas (Os onze
dias do Natal), de Marshall Mitchell III,
historiador militar que voou em 321 missões de
combate sobre o Vietnã, quando escreveu que, em
1972, o governo de Richard Nixon assumiu que "os
vietnamitas do Norte se demoronariam imediatamente",
após um ataque "de caráter brutal e em massa",
missão que foi encarregada aos aviões B-52,
considerados praticamente invencíveis; contudo, nas
duas primeiras noites de incursão, foram derribadas
oito dessas aeronaves. Em 11 dias foram derribados
15 desses aviões e mais cinco ficaram enormemente
avariados; 28 norte-americanos foram mortos e 34
apreendidos em terra.
Alguns
incrédulos começaram a chamar esse fato de "milagre",
desqualificando a inteligência e a criativa
estratégia militar empregada pelos vietnamitas, os
quais foram, ainda, combatentes superiores em seu
campo e converteram suas armas rústicas em
verdadeiras armadilhas para um inimigo superior em
meios e técnica.
O mundo enxergou o último invasor
abandonar às pressas Saigão, pendurado da roda de um
helicóptero, em abril de 1975. Um ano depois da
tomada dessa cidade por parte das forças do norte,
teve lugar a unificação do país, sob o nome de
República Socialista do Vietnã.
ESTAMPAS DA GUERRA
Minha memória se mantém intata. Mal
completava os 20 anos quando cheguei à República
Democrática do Vietnã, em 1966, com a incerteza de
se seria capaz de sobreviver, para contar o que
tinha visto, mas com uns desejos enormes de estrear
como a primeira mulher correspondente de guerra da
publicação oficial das Forças Armadas
Revolucionárias de Cuba: a revista Verde Olivo.
Depois de uma longa viagem desde
Moscou até Pequim e daí até Hanói, a primeira coisa
que percebi, ainda antes de descer do avião, foi que
as cores do campo eram parecidas com as dos campos
cubanos. No caminho para a capital, antes de cruzar
a ponte Long Bien sobre o rio Vermelho, fiquei
estarrecida com a extrema pobreza dos vietnamitas e
dei por mim acerca da grave situação econômica em
que vivia o país.
Já
em Hanói, as primeiras imagens que flagrei quebraram
a concepção que eu tinha acerca do que era uma
guerra. Esperava achar as ruas esburacadas, com
trincheiras, e ocupadas por soldados e armas pesadas
para enfrentar a aviação estadunidense que mais de
dois anos antes tinha começado os ataques contra o
país. Com certeza, os rostos dos moradores da cidade
deviam refletir toda angústia e o temor que estavam
vivendo. Imagens que eu tinha conformado mediante a
leitura das crônicas da Segunda Guerra Mundial.
Mas não foi assim. Nenhuma cara
triste nem ruas esburacadas. Os sons característicos
de uma cidade vivente — que me faziam lembrar
qualquer uma das mais prósperas do interior de Cuba
— eram amortecidos pela música que provinha de alto-falantes;
as pessoas caminhavam descontraídas, com essa calma
costumeira do asiático, particularmente casais
jovens de mãos dadas, que iam à praça do Lago
Central, em torno do qual podiam beber um gostoso
café com gelo, centenas de bicicletas e um bonde
lotado de pessoas circulava pela grande avenida de
Hanói, enfeitada por pequenas lojas de venda de
flores.
Tinham decorrido doze anos depois do
fim da guerra contra o colonialismo francês, e sobre
a pequena nação pairavam múltiplos problemas, sendo
o mais premente deles a reunificação. O paralelo 17
tinha dividido o Vietnã em duas partes e separado
então os 17 milhões que ocupavam o território do
Norte dos cerca de 15 que moravam no Sul. Famílias,
bens, terras, rios, montanhas literalmente partidas
por uma linha artificial.
A
luta armada na parte meridional se havia
incrementado, como a única forma de fazer cumprir os
Acordos de Genebra de 1954, que estabeleciam a
realização de eleições dois anos depois da saída dos
franceses da Indochina. Isso foi travado pela
ingerência dos Estados Unidos, cujo primeiro passo,
em 1961, foi o envio ao Sul de uma missão militar de
cerca de 400 assessores, que foi aumentando
gradualmente.
Quando se produziu o incidente do
Golfo de Tonking, em agosto de 1964, praticamente os
norte-americanos estavam quase derrotados no Sul,
onde a luta teve um rápido desenrolar. Daí em diante,
os caças estadunidenses começaram a despejar sua
carga mortífera em qualquer lugar do Norte; em
cooperativas camponesas, aldeias, creches, escolas,
hospitais, pagodes, pontes, portos, usinas, lugares
‘estratégicos’, cada vez mais perto da capital, em
decorrência do qual morriam crianças, mulheres,
idosos, as vítimas inocentes das guerras.
Poucas semanas após minha chegada ao
país dos anamitas, o número de aviões abatidos no
território beirava o número de mil. Vários meses
depois, fui testemunha do primeiro bombardeio à
periferia da capital, após muitas tentativas, a
qualquer hora do dia e da noite, preferentemente ao
meio-dia, quando os vietnamitas dormiam sua
inviolável sesta.
Os bombardeios se intensificaram e
ainda continuaram quando parti de Hanói, oito meses
mais tarde, mas consegui ver os pilotos capturados,
desfilando pelas ruas de uma cidade à qual
pretenderam fazer desaparecer.
UM NOVO "MILAGRE"?

Depois de 39 anos da vitória, o
Vietnã volta a brilhar e a assombrar o mundo, devido
aos avanços conseguidos, pelo qual alguns voltam a
qualificar este fato de o milagre vietnamita.
A partir da década de 80, quando
começou o processo e renovação ou Do Moi, a direção
dessa nação fez mudanças audaciosas e inteligentes,
mediante reformas econômicas que acarretaram um
salto extraordinário, nos últimos anos,
multiplicando a economia mais de 3,5 vezes, com
constantes e altos índices do Produto Interno Bruto
(PIB), que colocaram a nação como um dos países com
menores índices de pobreza, ainda que sua população
tenha aumentado de 32 ou 33 milhões para 90 milhões
de pessoas até 2013, segundo estimativas.
Em um país onde ainda se tentam
sarar as feridas de tantos anos de luta, com uma
economia de guerra, praticamente devastado, havia
muito por fazer, embora os vietnamitas nunca
abrissem mão da produção de suas usinas nem da
colheita dos seus campos.
Mas promovendo as forças produtivas
e segundo os especialistas do tema, liberando todas
as potencialidades da sociedade para o
desenvolvimento e lançando mão com eficiência das
oportunidades da globalização para sua inserção
internacional, conseguiram dar passos sólidos no
caminho do desenvolvimento da economia.
Não se trata de um novo milagre.
Mais uma vez a mesma tenacidade, inteligência e
audácia demonstradas na guerra, na paz conseguiram
colocá-los em um lugar proeminente entre as nações
desse continente com uma das economias mais fortes
do Sudeste asiático, adequada ao momento e às suas
necessidades e com uma orientação socialista.
O sonho do presidente Ho Chi Minh de
converter o Vietnã em um país dez vezes mais belo já
se tornou realidade.