O comércio mundial ultrapassa a
cifra de 13 bilhões de euros cada ano. Mas este
número enorme é muito inferior ao volume de
transações de divisas (52 bilhões em mercados não
regulamentados e 7 bilhões em mercados regulados).
Somente as transações de produtos financeiros
vinculados com divisas do mercado financeiro de
Londres (cerca de 20 bilhões) supera o valor do
comércio mundial visível. O conjunto dos mercados
não regulamentados de produtos derivados (divisas,
taxas de juros, matérias-primas, ativos...) supera
os 500 bilhões de euros cada ano, e 50 bilhões nos
mercados regulados. Nos mercados globais se negociam
cada ano ações, bônus e papel comercial, no valor de
65 bilhões de euros, e seguros sobre créditos
falidos por outros 15 bilhões. Ainda que as margens
de lucro sejam muito reduzidas, a mais-valia que se
canaliza através dos mercados financeiros globais
pode superar facilmente o valor de todo o comércio
mundial.
Somente em Bruxelas, o capital
financeiro dispõe dum regimento de 1.700 lobistas e
gasta mais de 120 milhões de euros, cada ano, em
atividades de lobby (em comparação, o dinheiro
destinado à supervisão do sistema financeiro através
do FMI se limita a uns 20 milhões de euros anuais).
O objetivo principal destes agentes
do capital é evitar que a crise financeira provoque
a articulação de políticas de controle e
regulamentação do mercado financeiro, que ponha em
risco tão lucrativo negócio. Estes agentes controlam
todos os organismos de supervisão financeira da
União Europeia, e a correlação de forças políticas,
inclusive, favorece que se situem entre os
principais interlocutores da Comissão, de maneira
que as políticas que Bruxelas impulsiona respondem
mais ao mandato do capital financeiro do que ao
mandato popular.
Embora a liberalização financeira
tenha sido uma arma dos EUA para contestar, com o
domínio financeiro, a deterioração de seu poder
produtivo e comercial, os grandes bancos alemães e
franceses (Deutsche Bank, BNP Paribas, Crédite
Agricole, Societé Genérale...) também controlam uma
parte importante do mercado financeiro global. Os
Estados Unidos e a União Europeia pretendem
preservar algumas especificidades de seus
respectivos negócios, e limitar o acesso das
entidades financeiras da contraparte a seus
respectivos mercados. Por isso, na negociação do
Transatlantic Trade and Investment Partnership
(TTIP) os EUA se recusam a falar de acordos em
matéria de regulamentação financeira, apesar da
insistência europeia, que em março redigiu sua
proposta de regulamentação partilhada. Para tentar
flexibilizar essa postura, o comissário europeu
Michel Barnier viajou a Washington para confirmar a
decisão dos políticos da União Europeia de contarem
com os EUA como parceiro preferente, também neste
assunto, apesar dos critérios diferentes reguladores
ou de funcionamento dos mercados de derivados em um
e outro lado do Atlântico norte (na Europa tudo
passa pelos bancos, nos EUA há mercados financeiros
extra-bancários potentes). A posição comum é clara:
Washington e a UE têm que concordar para garantir o
controle de um mercado financeiro que pretendem
dominar em nível global.
Os desacordos, que refletem um
aspecto das rivalidades interimperialistas, se
resolvem em acordos de base quando se trata de impor
ao resto do mundo um modelo neoliberal — versão
bancária ou versão fundos de investimento — em sua
vertente financeira. Após o fracasso da Organização
Mundial do Comércio (OMC), incapaz de chegar a um
acordo sobre liberalização dos serviços, os EUA e a
UE resolveram iniciar uma negociação bilateral de
liberalização do setor dos serviços (Trade in
Services Agreement-TISA) com a participação dos
países subordinados aos Estados Unidos na América e
Ásia, cujo objetivo é impô-la como modelo nos países
e regiões onde podem encontrar maior resistência por
disporem de modelos mais auto-centrados, entre eles
a China, Índia, Rússia ou os países da ALBA.
Neste contexto, os EUA e a União
Europeia juntam-se para impor um acordo global de
liberalização dos mercados nacionais de serviços
financeiros, tal como reflete um documento do mês de
abril que foi tornado público recentemente, que
expressa que a União Europeia não tem nenhuma
prevenção regulatória como as que expressa nas
negociações do TTIP. Tudo ao avesso, o documento é
um canto à liberalização, norteado a facilitar às
entidades financeiras dos países dominantes, sem
sequer terem uma sucursal no país de destino, o fato
de poder oferecer todo o tipo de serviços
financeiros (seguros, derivados, fundos de
investimento, etc). Além do mais, inclui-se um
conjunto de artigos que na prática impedem que os
países que adiram à proposta possam modificar o
âmbito regulatório, caso este afetar os interesses
das entidades financeiras estrangeiras que operam
nesse mercado.
O segredo com que se efetuam estas
negociações, das quais somente se têm notícia porque
se filtram documentos das mesmas, reflete seu
caráter marcadamente antipopular, e seu objetivo
imperialista de captação de mais-valia nacional,
mediante instrumentos financeiros globais. Também
resulta surpreendente que os negociadores europeus
aceitem um pacto global, onde o único critério é o
acesso livre ao mercado financeiro nacional, quando
por outra parte insistem na importância da
regulamentação em suas negociações com o governo
norte-americano. Um exemplo da forma em que o poder
financeiro joga melhor suas cartas, sendo capaz de
contornar as limitações jurídicas que possam ser
estabelecidas, impondo suas próprias regras no
resultado final.
Nesta batalha há muito em jogo, pois
de seu resultado depende a viabilidade das próprias
sociedades democráticas, tal como se concebem na
Europa. Na Espanha, um dos países mais liberalizados
da União Europeia, o desafio político é ainda maior.
(Mundo Obrero)