Nova guinada
liberal do
governo francês
Carmen Esquivel
Sarría
COM a composição do novo gabinete, o
governo francês enviou um sinal claro da
determinação de continuar com sua controversa
política de reforma econômica e inclinar-se ainda
mais para uma corrente liberal.
As mudanças não são muitas, mas são
determinantes. Na segunda equipe de trabalho do
primeiro-ministro Manuel Valls se mantém a quase
totalidade dos titulares de postos clave, como os
dos Assuntos Exteriores, Interior, Justiça, Defesa
ou Finanças.
Mas ficaram excluídos os críticos às
medidas de ajuste do executivo, quer dizer, os
outrora titulares da Economia, Arnaud Montebourg;
Educação, Benoit Hamon, e Cultura, Aurelie
Filippetti.
A nominação que mais chamou a
atenção e, ao mesmo tempo, a mais controversa, foi,
sem dúvida, a do ex-banqueiro e até há pouco
secretário-geral adjunto da presidência, Emmanuel
Macron, à frente da pasta de Economia.
Nascido em 1977, na cidade de Amiens,
Macron é formado no instituto Sciences-Po e na
Escola Nacional de Administração (ENA), berço da
elite política francesa.
O ex-gerente do banco Rothschild é
amigo do presidente François Hollande e um defensor
da política de austeridade e de redução do déficit,
adotada pelo governo.
Macron teve uma grande participação
no design do controverso Pacto de Responsabilidade,
que concedeu vantagens fiscais às empresas, por uns
30 bilhões de euros, com o compromisso de investirem
no país e criarem mais postos de trabalho.
Este programa tem sido considerado
pelos sindicatos como um presente para os donos, sem
oferecer garantias de aumento dos empregos.
O pomposo titular de Economia também
desempenhou um papel importante no caso Alstom,
sobre a venda de um ramo dessa empresa emblemática à
estadunidense General Electric.
Alguns o qualificam de "o banqueiro
de Rothschild", entretanto um artigo publicado no
ano passado pelo jornal Le Fígaro o
denominava "o hemisfério direito de Hollande".
Sua indicação causou surpresa,
porque apenas minutos antes do anúncio quase todos
os analistas apostavam em uma unificação dos
ministérios das Finanças e Economia.
Vários setores, inclusive membros do
Partido Socialista (PS), no governo, expressaram sua
preocupação pela designação do ex-banqueiro na
frente de uma pasta chave.
"É claro que a política aplicada há
dois anos é de austeridade e tudo leva a pensar que
vai continuar se reforçando, segundo a composição do
novo governo", declarou o secretário-geral do
sindicato Força Operária, Jean-Claude Mailly.
A partir das fileiras do PS,
Fréderic Cuvillier, quem rechaçou fazer parte do
novo gabinete, disse ter a impressão de que o
governo não escutou a mensagem das eleições
municipais, quando esse partido perdeu em mais de
150 cidades e passou a ocupar a segunda colocação,
depois da conservadora União por um Movimento
Popular (UMP).
Christian Estrosi, da UMP, lembrou
que em seu discurso de campanha o presidente
Francois Hollande se declarou inimigo das finanças e
agora vem confiar a um banqueiro a pesada tarefa de
encaminhar a reativação.
A economia francesa se encontra
estagnada, com um crescimento nulo do Produto
Interno Bruto (PIB) durante os dois primeiros
trimestres do ano.
O desemprego cresce quase de maneira
ininterrompida há mais de três anos e já afeta por
volta de 3,39 milhões de pessoas.
No intuito de cumprir seus
compromissos com a União Europeia de reduzir a
dívida e o déficit fiscal, o governo se propõe
cortar 50 bilhões de euros do orçamento em três
anos.
Contudo, vozes dentro de seu partido
consideram que o executivo deveria apostar em uma
política diferente, aumentar a despesa pública,
estimular o crescimento e o consumo e reduzir o
desemprego.
"Já está na hora de que a França se
resista à obsessão da Alemanha pela austeridade e
procure medidas alternativas para apoiar o consumo
doméstico na Eurozona", disse há poucos dias o então
ministro da Economia, Arnaud Montebourg, em
declarações ao jornal Le Monde. E por causa
destas declarações foi demitido.
Trata-se da terceira reestruturação
depois que Hollande tomou posse, em maio de 2012 e a
segunda durante o período de Valls como primeiro-ministro,
daí que o gabinete já tenha sido batizado como "Valls
dois".
Para analistas e políticos da
esquerda esta nova mudança constitui um sinal claro
da aproximação do governo aos interesses do setor
privado e as finanças. (PL)