O ouro da
cultura cubana
Rafael Lam
EM 12 de outubro de 2014 comemorou-se
o 522º aniversário da chegada do almirante Cristóvão
Colombo à América. Em alguma medida foi o
acontecimento mais transcendental e importante,
segundo o escritor cubano Alejo Carpentier.
"Porque existe na história universal
um homem anterior e um homem posterior ao encontro
das culturas na América. Por uma série de
circunstâncias o solo caribenho virou palco da
primeira simbiose, do primeiro encontro registrado
na história entre três raças (ou grupos de
descendência) que, como tais, nunca se haviam
encontrado: a branca da Europa, a índia-indígena,
nativa da América, o que era uma novidade total, e a
africana que, se bem era conhecida na Europa, era
desconhecida deste lado do Atlântico".
"Portanto, uma simbiose monumental
de três raças de uma importância extraordinária pela
sua riqueza e possibilidade de contribuições
culturais e que havia de criar uma civilização
inteiramente original". (in Correio da UNESCO, dez.
1981).
O que é que procuravam os
espanhóis em Cuba?
Os reis da Espanha, apoiados em
Cristóvão Colombo, esperavam achar no ultramar:
"pérolas preciosas, ouro, prata, especiarias e
outras coisas quaisquer e mercadorias".
Os marinheiros da frota espanhola
acabaram sabendo pelos índios que no Sul estava a
"ilha de Cuba, aonde escutei que esse pessoal que
era muito grande e de grande tratamento e havia nela
ouro e especiarias e navios grandes e mercadores".
Para lá rumou Colombo e em 28 de
outubro de 1492 "entrou em um rio formoso" — sendo
possivelmente a baía de Gibara, no noroeste de Cuba.
Pelos gestos dos aborígines, Colombo
acabou compreendendo que aquela terra era tão grande
que não se podia bordejar com as naus nem em vinte
dias. Então pensou que estava em uma das penínsulas
da Ásia oriental. Mas ali não havia nem cidades
ricas, nem reis, nem ouro, nem especiarias.
Os espanhóis, que andavam à procura
da rota da seda, as especiarias e as riquezas, o que
acabaram achando foi algodão, que teciam as
mulheres, ervas para beber cozimentos, o fumo, as
culturas do milho e a batata (alimentos que séculos
depois passaram a fazer parte da dieta dos europeus
e de quase todo o mundo)
Passado o tempo acabaram tirando de
Cuba um açúcar de qualidade superior, que adoçaria
os povos. Que é que poderia ser mais gostoso, após
uma comida bem farta, que uma sobremesa com o açúcar
cubano? Uma taça de café de uma cor negra intensa,
acompanhada da doçura de um açúcar tirados dos
canaviais cubanos?
O renome especial de que Cuba goza
assenta em alguns dos seus produtos de fama mundial
e em sua cultura musical.
O sábio cubano Fernando Ortiz
escreveu: "Não se pode afirmar que seja por causa da
petulância patriótica se acaso um escritor cubano
diz que a música popular de Cuba, feita para dançar,
vem tendo desde há séculos grande ressonância, tanto
no Novo Mundo quanto no Velho, pois esse é um fato
irrecusável. Cuba tem uma musicalidade nacional
genuína e de valores cosmopolitas. Os cubanos temos
exportado com a nossa música mais sonhos e deleites
do que com o fumo; mais doçuras e energias do que
com o açúcar. A música afro-cubana é fogo, deleite e
fumo; é geleia, gracejo e alívio; como um rum sonoro
que se bebe pelos ouvidos, que no tratamento torna
iguais e junta as pessoas e nos sentidos dinamiza a
vida".
Já desde o ano 1946, no primeiro
livro escrito sobre a música em Cuba, Alejo
Carpentier redigia: "Órfã de tradição artística
aborígine, muito pobre quanto a plásticas populares,
pouco favorecida pelos arquitetos da colônia, a Ilha
de Cuba teve o prazer de criar, em troca, uma música
com fisionomia própria que, desde muito cedo,
conheceu de um extraordinário sucesso de difusão. A
popularidade atingida no mundo todo, por certos
bailados cubanos de inícios do século 20, não
constituiu um fato novo para o país. Anteriormente,
as contradanças cubanas tinham sido alvo de uma
acolhida semelhante pelo público da Europa e das
Américas, ao serem apresentadas sob os nomes
diversos de habaneras, danças havanesas, tangos
havaneses, americanas e mais, criando gêneros que
foram cultivados na França, na Espanha, no México,
na Colômbia e na Venezuela, principalmente.
Cuba deu ao mundo as ‘guarachas’
crioulas de meados do século 18, nas quais se
inscrevem ritmos que ainda conservam a sua vigência.
"Muitos dos instrumentos de
percussão que vieram enriquecer todas as baterias
das orquestras de música para dançar eram muito
usados no século 18".
Estas palavras de Carpentier
revelam-nos que, em todos os momentos de sua
história, Cuba elaborou um folclore sonoro de uma
surpreendente vitalidade, recebendo, mesclando e
transformando contribuições diversas, que acabaram
dando origem a gêneros fortemente caracterizados.
O romancista e musicólogo cubano tem
razão ao afirmar que "antes que Cuba tivesse seu
primeiro teatro ou seu primeiro jornal, já havia
músicos notáveis e sabidos".
Em Cuba nunca faltou uma música de
vanguarda na América, mais de um milhão de negros
escravos vindos da África traziam bem conservada uma
jazida de sonoridades de espantar.
Cuba produziu muitos gêneros
musicais transformadores, reclamados desde tempos
longínquos. Criou, ainda, um arsenal na percussão
que também espanta, com mais de 25 conjuntos
instrumentais. Tudo isso criou uma música rica,
vivente e universal.
Habanera, danzon, son, guaracha,
crioula, bolero, rumba, conga, mambo, cha-cha-cha,
pachanga, muitos desses ritmos são ecumênicos, deram
a volta ao mundo. Alimentaram as músicas da América
e estão na dieta musical de muitos países.
Toda música rica cria também ritmos
e músicos eminentes de grande relevância: Ernesto
Lecuona, Eduardo Sánchez de Fuentes, Moisés Simons,
Jorge Anckermann, Antonio María Romeu, Antonio
Arcaño, Miguel Matamoros, Ignacio Piñeiro, Arsenio
Rodríguez, Enrique Jorrin, Adalberto Álvarez, Rafael
Lay, Juan Formell, Chucho Valdés, José Luis Cortés.
E cria também orquestras e grupos
insignes como El Septeto Habanero, Septeto Nacional,
Conjunto Casino, La Sonora Matancera, Arsenio
Rodríguez, Jóvenes del Cayo, Roberto Faz e entre as
orquestras charangas a de Antonio María Romeu,
Arcaño y sus Maravillas, Neno González, Fajardo y
sus Estrellas, La América, Melodías del 40, La
Aragón, Sensación. Los Van Van, Irakere, Son 14, Dan
Den, Charanga Habanera, NG La Banda.
Ainda, podemos deparar-nos com
canções antológicas como: Siboney, La Comparsa, a
habanera "Tú", La bella cubana, La Bayamesa, El
manisero, La Guajira Guantanamera, Quiéreme mucho,
Lágrimas negras, La engañadora, El bodeguero, La
vida es un sueño, Quizás, quizás, quizás, Como
arrullo de palma, Deuda, Dos gardenias, La gloria
eres tú, Longina, Nosotros, Una rosa de Francia,
Contigo en la distancia, Veinte años, Pequeña
serenata diurna, Para vivir e muitas outras.
A cultura tem surpresas. Cuba, que
foi uma colônia da Espanha acabou, com sua música,
colonizando o colonizador. Com o decurso do tempo,
os europeus acabaram compreendendo que Cuba tinha um
tesouro maior que o ouro e a prata. A riqueza
material vai e vem; o patrimônio imaterial é eterno.