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Luis Carbonell: único e incomparável
• O declamador da poesia antilhana morreu em 24 de
maio em Havana, aos 90 anos de idade
Pedro de La Hoz
LUIS Mariano Carbonell sempre tem estado aí.
Primeiramente com suas mangas da camisa do tipo
guaracha, suas estampas faiscantes de humor e essa
alcunha que o representa como o declamador da poesia
antilhana.
Não advertíamos então, quando se anunciava no show
televisivo, que ele ocupava um lugar privilegiado,
que a etiqueta ficava grande para ele, que Luis era
todo menos um tópico do folclore.
Ele era, é e será, um poeta. Um criador na extensão
da palavra. Um trovador iluminado com a graça de
saber chegar ao coração e à inteligência com uma
inflexão, um acento, um simples gesto das mãos ou
com uma leve mutação do rosto.
Depois soubemos muito mais dele e receberíamos sua
obra multiplicada no palco e na tertúlia familiar,
ou através de outros aos que aconselhava e definia
repertórios e estilos musicais. Porque Luis também
tem sido um dos nossos melhores (e ocultos) músicos.
Em 26 de julho de 2013 completou 90 anos e agora,
que se prontificava para comemorar os 91 com novos
projetos, o corpo não resistiu mais. Foram várias e
complicadas as doenças nos últimos meses,
enfrentadas por ele com o mesmo espírito de
resistência que lhe permitiu recuperar-se, há uma
década, de um acidente cerebrovascular.
Mas não vou falar de sua morte, na madrugada de 24
de maio, nem da consternação popular por causa
disso, nem das honras que recebeu de seus colegas da
União dos Escritores e Artistas de Cuba (Uneac).
(Sexta-feira, 23, conversou com o poeta Miguel
Barnet com a dor de quem pressentia próximo o final,
e contudo havia otimismo em sua voz).
Vou contar então de sua origem, dos dias iniciais
em Santiago de Cuba, quando no seio de uma família
de professores, sonhou em ser pianista, e aprendeu
sob a tutela de Josefina Farrés. Foi um sonho do
qual Luis não abriu mão quando foi viver para
Havana, posposto, contudo, quando sua forma de
recitar o levou a consagrar-se e a revolucionar a
declamação.
Fez isto a partir dum rigoroso conhecimento da
métrica e do ritmo interior dos versos que aprendia
e das estampas que foi incorporando ao seu
repertório, ate definir um ar, uma projeção, um
estilo.
Desde Santiago a poesia fazia parte de sua vida.
Uma de suas irmãs recitava versos e Luis afirmou que
se ela se tivesse dedicado a isso profissionalmente,
hoje seria reconhecida.
O grande pulo de Luis teve lugar em 1947 quando se
apresentou nos Estados Unidos e juntou sua carreira
às de Ernesto Lecuona, Gilberto Valdés, Ester Borja
e as estrelas que faziam parte da empresa artística
do autor de María la O.
A lírica que reivindicou as contribuições do negro
à cubanidade começou a fazer parte de sua memória
íntima: Nicolás Guillén, Emilio Ballagas, José
Zacarias Tallet, Eugenio Florit, Marcelino
Arozarena, e daí começou a viagem rumo a outras
zonas da poesia caribenha, com admiração particular
para o porto-riquenho Luis Palés Matos.
No início dos anos 60, seu nome era imprescindível
não só em Cuba mas em outros países da região e nos
Estados Unidos. Recebeu propostas para emigrar, por
parte de pessoas que não sabiam que Luis Mariano
tinha assinado um pacto irrenunciável com sua terra,
sua identidade e vocação de justiça social que
começava a ser realidade entre os seus.
Vou contar então deste segundo ar de Luis Mariano,
que o levou a estudar a fundo a montagem de Elegia a
Jesús Menéndez, Nicolás Guillén, e os oriki de
Miguel Barnet, e os contos do mexicano Aquiles
Nazoa, ou há pouco El baile, de Virgilio Piñera.
E de um terceiro ar, seu sentido da ubiquidade em
espetáculos, teatros, televisão, do palco à escola e
da escola ao palco, colóquios e oficinas, com um
sentido de participação social que fala de sua
verticalidade cívica.
E também de um quarto ar que jamais abandonou, a
música, a orientação de repertórios, o estilo nos
cantores líricos e populares ou em grupos como Los
Cañas e Los Papines.
Único e incomparável. Como Bola de Nieve e Rita
Montaner. Sempre estará aqui, Luis Mariano. Como
palmeira real.
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