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FLORA FONG
Gestos de
sensações líricas...
TONI
PIÑERA
NO seu
exercício pictórico, a pintora Flora Fong tenta
descobrir o segredo de sua natureza. Flora —
tentando honrar seu nome — cresce, multiplica-se em
flores, árvores ou florestas, e se mexe ao compasso
do vento... porque o ar tornado furacão, ciclone,
tufão ou simplesmente brisa pode ser visto ao
caminhar por entre as linhas, manchas e cores
gestuais. Ou mexe, com extraordinária maestria, a
água do mar, dos rios ou lagos que irrigam suas
férteis superfícies. Essas paisagens onde se reúne a
essência com caligrafia oriental (aí se incorpora
Fong), mas roçadas por sentimentos caribenhos que
chegam em tons brilhantes, onde a luz focaliza a
criatividade de seus sonhos quase reais.
Para Flora Fong,
copiar a natureza resulta algo sem sentido. Daí que
procura a expressão imaterial por meios simples,
lançando mão só do indispensável, o que, às vezes,
poderia dar a aparência de um esboço. Algo muito
semelhante ao realizado pelos pintores do Oriente,
que está dentro dela, talvez por seus ancestrais.
Porém, ela é caribenha, mora, cria e se inspira cá.
Os tons tropicais, esse jeito de sentir as imagens e
manipular a linguagem das matérias, adquirem
conotação especial em suas obras.
Em fevereiro
deste ano, Flora esteve presente em uma exposição
inaugurada na cidade de Camaguey, lugar onde ela
nasceu, pelo ensejo dos 500 anos de fundada essa
cidade, onde expôs um conjunto de pinturas e bronzes
especialmente concebidos para a ocasião. Depois,
viajou a Xangai (China), fazendo parte de uma
exposição coletiva do Conselho Nacional das Artes
Plásticas de Cuba, intitulada Rodando se
encuentran. Sua exposição mais recente:
Grabados en el tiempo, aberta no Centro
Provincial das Artes Visuais Eduardo Abela (em San
Antonio de los Baños) torna-se um instante singular
para olhar em retrospectiva sua vida na arte e
retornar aos seus começos.
CRIADORA
INCANSÁVEL
Dentro da
pintura cubana, as criações desta artista ocupam um
espaço simbólico. Nelas aparecem de maneira
harmônica, como uma festa de cores e traços ágeis,
três elementos da vida, da natureza e da cultura do
país: a paisagem com suas violências atmosféricas; a
vida doméstica das pessoas com sua poesia aprazível
e não transcendente, e o componente étnico chinês,
integrado indubitavelmente ao tecido da nação.
Essas dimensões
todas conformam uma linguagem que começou com tons
escuros e foi abrindo passagem, cada vez mais, rumo
a claridades surpreendentes e uma força solar, na
qual as cores explodem na morfologia do céu em meio
de um furacão, do fruto e a flor. Vista a partir de
uma perspectiva metafórica, Flora se converte em sua
própria modalidade criativa; o traço caligráfico
asiático que revela o peso de seus ancestrais, a
tessitura de cada linha, onde vem à tona essa
mistura de personalidade entre frágil e dominante
que a caracteriza e sua evidente escolha dos valores
sensoriais e habituais do cenário circundante de
nossa existência, os que lhe permitem mostrar-nos
uma visão diferente dos motivos que têm sido
assumidos por muitas das figuras das artes plásticas
nacionais do século 20.
Nos começos dos
anos 80, Flora Fong se questiona do ponto de vista
estético, começa a voltar os olhos para a pintura
chinesa da paisagem e a entendê-la, a partir da
filosofia oriental; aquelas técnicas empregadas por
chineses e japoneses que tanto a empolgavam. Nessa
época se aproxima da língua chinesa, porque queria
conhecer a história da caligrafia, os pictogramas e
a maneira de trabalharem os conceitos, tão
diferentes da do Ocidente.
Por causa do
seu temperamento, tinha necessidade de que se
fizesse sentir, tanto a ar quanto a chuva (a água)
em sua obra. E é mesmo assim, quem se aproximar de
seus trabalhos sente a atmosfera, a umidade, o
calor.
O APARTADO
CROMÁTICO
Poderia
dizer-se que na sua pintura subsistem dois grandes
núcleos que se diferenciam pela evidência
estrutural, de um lado, e o desaparecimento da
estrutura, ou sua evidência, pelo outro lado.
No primeiro, o
jogo dos planos, suas penetrações e superposições,
suas transparências, facilitam a leitura e o
estabelecimento, por parte do espectador, das
certeiras relações internas que conformam cada obra.
Entretanto, no outro núcleo, estão aquelas que
poderiam ser denominadas de composições
invertebradas. Nelas, a artista parece se entregar a
esse habitual exercício caligráfico, a uma procura
de texturas e estudo de espaços entre pinceladas.
O mar, batendo
suavemente nas costas e praias, emerge nas obras da
série chamada Bahías, onde a cor azul enche
intensamente sua paleta. Em sua pintura mais
recente, permeada de altos contrastes e massas bem
definidas, de sólida estrutura formada por amplas
zonas curvas ou triangulares, sobressaem as ilhas e
ilhotas.
Essas paisagens
marinhas, onde a luz e a cor se tornam mais
brilhantes. Elas são, também, uma continuação, para
outro patamar, e com novas intenções plásticas,
daquilo que antes ela fazia. Porque de maneira
orgânica, Flora Fong estuda, analisa e incorpora
aquilo que lhe pode servir para transmitir as
mensagens de suas vivências.
Os Girasoles
(girassóis)? A pergunta abre espaços, toca pontos
sensíveis da interlocutora... "Não me interessa
pintar uma flor simplesmente porque é uma flor"
(deixa bem claro na entoação, determinada e forte,
reafirmando que é Escorpião). "Estudando um pouco a
espiritualidade da pintura chinesa, e esses artistas
tão laboriosos vi nessa flor (tão forte e que se
mexe com o sol), que eu podia representar o que
queria representar, do ponto de vista ocidental e
oriental".
"Neste resumo
de diferentes etapas, incorporei — disse — as
esculturas de bronze, elas continuam-me dando um
pensamento de renovação conceitual, do ponto de
olhar para novas propostas futuras. É que nem a
saída para um novo tema".
Deste trabalho
comenta que é muito forte: "quando o estava fazendo
me saíram duas hérnias", sorri. De todas as formas,
ela continua com novas forças por estes caminhos.
Eis sua bela
coleção de bronzes onde perpetua formas que a
acompanharam neste tempo todo, imagens extraídas de
suas pinturas bidimensionais, que agora ganham
volume e respiram em outra dimensão.
Flora sorri, é
feliz ao olhar sua vida, seu trabalho, sua obra.
Essa que se transforma a partir das paredes, em
sonhos multiplicados sobre variadas superfícies.
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