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Suíte para Frank Fernández
Daniel González Rodríguez e Osmerys Ramos Méndez
EM
16 de março fez anos um dos pianistas cubanos mais
importantes. Ele sabe tocar o piano como poucos,
segundo a crítica especializada e o público que o
aclama. Intérprete ideal, monstro musical e gênio
pianístico foram alguns dos apelativos deste cubano,
que conquistou nas últimas décadas do século passado
os palcos de mais de 35 países. Com 70 anos e uma
ampla discografia, cerca de 150 fonogramas, Frank
Fernández dispõe-se a comemorar neste ano seu 55o
aniversário de vida artística.
Como
o senhor chegou ao piano?
“Eu
não cheguei ao piano, ele chegou a mim. Porque antes
de ter consciência, segundo me contaram, comecei a
tocar, entre os 3 ou 4 anos, de ouvido e sem receber
informação teórica. Aos 5 anos minha mãe, que tinha
uma academia na casa, começou a dar-me aulas”.
O
que significa para o senhor sua mãe?
“Lamentavelmente, ela morreu quando eu completei
seis anos. Cada vez que penso nela a vejo numa
espécie de nebulosa. Durante muitos anos eu estive
pensando que era a maior solidão de minha vida, ao
não ter a compreensão, a proximidade, o contato
físico do amor de uma mãe. Mas dalguma maneira foi
minha luz, meu farol, meu guia”.
“Quando ela estava morrendo, na usina açucareira
chamada Preston na época, e agora com o nome de
Guatemala, levaram-me a seu leito no hospital e ela
disse: ‘filho, não abandone nunca o piano, você tem
talento’”.
Para
Frank Fernández, o que é a música?
“Acho que é algo sem o qual eu não poderia viver. Um
dia imaginei um país, um mundo sem música e fui
transladando-me, cheguei ao chamado silêncio
absoluto do cosmos, senti como uma vertigem. Creio,
e pelo menos para os seres como eu, que não sou dos
poucos, que a música é como a água, como o oxigênio,
como o sangue, como a vista, como o olfato; é um
sentido, é muito mais do que um fato físico
material. A música é uma linguagem com leis
próprias, capaz de transmitir o que nenhum idioma
pode fazer”.
Mayarí sempre aparece em toda conversa sobre as
origens de Frank. Como lembra aquela infância em
Mayarí?
“Na
minha casa primava o conhecimento dos grandes
clássicos universais e na de Martín Meléndez,
diretor da Banda Municipal e grande amigo da
família, eram os nacionais. Para mim, tão jovem
naquela época, a única diferença era que os nomes em
casa eram um pouco difíceis. Onde morava Martín eram
María Teresa Vera, Sindo Garay, Manuel Corona,
Miguel Matamoros, Benny Moré; em minha casa eram
Wolfang, Ludwing, Robert, Wagner, Brahms, Beethoven.
Para aquela criança, nenhuma classe de música era
melhor do que a outra. E isso chegou a mim de uma
maneira natural, espontânea, sem imposição.
Precisamente, essa espontaneidade sem adoçantes
intelectuais, unida ao ambiente cultural de Mayarí,
constituem os pilares fundamentais na minha formação
musical”.
Como
lembra Frank sua entrada ao teatro Amadeo Roldán?
“Evidentemente eu tinha nascido músico ou, pelo
menos, com grande preferência pela música, e nessa
busca da felicidade fui ao teatro Amadeo Roldán.
Naquele momento, era o Conservatório Municipal de
Havana e a máxima escola de música do país. Quando
cheguei, disseram-me que não tinha suficiente
desenvolvimento técnico-profissional para entrar.
Aquela negativa foi um copo de água fria. Não podia
estudar comércio, como queria meu pai, porque eu não
gostava disso; não podia estudar para ser
concertista, porque não me admitiam. Fui trabalhar
no que me aceitaram: pianista de centros noturnos.
Estive um ano e meio trabalhando, ganhei muito
dinheiro”.
“Depois, fui à Suprema Corte da Arte,
um programa de artistas amadores dirigido por José
Antonio Alonso. Isolina Carrillo, a compositora de
Duas Gardênias, determinava se o artista não
era aprovado, com um toque do sino. E eu passei, não
tocaram o sino. A partir daquele momento consegui
melhores empregos e consegui fazer um último
trabalho no restaurante Monseigneur que
realmente se converteu em outro pilar. Mais do que
um meio de vida, foi uma escola, não somente por
permitir-me conhecer Sindo Garay, Manuel Corona,
Miguel Matamoros ou Mozart, Beethoven, Liszt. Era
acompanhar a canção sem o recurso duma partitura e
que o cantor, às vezes, dissesse que estava rouco ou
que eu subisse o tom — assim chamam os músicos ao
sistema de notação que lhes é confortável a uma voz.
Se muda o tom, mudam também todos os acidentes do
teclado e as notas pretas tocam em brancas. Tais
situações eram muito frequentes e isso não se estuda
em nenhuma escola, isso se obtém na escola da rua”.
“Não
sei com que instinto reagi, mas abri mão de tudo
aquilo e fui para Mayarí, dirigir um coro de
amadores. Todos disseram que eu estava louco. Estive
movimentando-me muito no ambiente cultural de
Santiago de Cuba e soube que havia um curso de
direção coral. Como já tinha formado um coro de
amadores, decidi arriscar-me. Não me admitiram como
aluno regular porque eram os grandes diretores de
coro os que vinham. Fui aceito como aluno auxiliar,
não era dos principais alunos, com certeza, mas eu
me esforcei muito… Cada vez que a turma abandonava a
sala de aulas, eu me sentava ao piano e começava a
tocar as obras que dirigiam os alunos de direção. Ao
finalizar o curso, o professor alemão Henri Mosser,
apontou suas referências acerca de mim: “Frank
Fernández pode ser um grande diretor de coro, mas
melhor pianista”. Agradeço muito o que ele disse.
Imediatamente as portas do Conservatório abriram
para mim, fui nomeado professor aluno e converti-me
no ajudante de direção coral de Manuel Ochoa, que
era diretor da escola coral do Conservatório e de
vários coros importantes do país”.
Como
chegou a Moscou e se converteu no primeiro pianista
cubano que estuda e termina com ¨Summa cum laude¨,
no Conservatório Tchaikovsky?
“Após o triunfo da Revolução, fui o primeiro cubano
que chegou ao Conservatório, por um concurso de
oposição. E consegui essa chegada graças a Margot
Rojas, uma importante e eminente pedagoga. Estudei
seis anos com ela no Conservatório e preparou-me
para o Concurso Uneac, o primeiro que se fez aqui.
Mas havia uma dificuldade enorme: eu não tinha
piano”.
“Durante seis anos morei numa pensão. Três meses
antes do concurso pude alugar um piano, mas aí foi
pior porque nesses lugares quase sempre os
inquilinos têm horários de trabalho diferentes.
Contudo, com grande tolerância e algumas brigas,
esses três meses me ajudaram muito nos últimos dias.
Isso foi o que me permitiu ganhar o primeiro prêmio,
além de um pouco de talento e muito sacrifício.
Também influiu a ajuda de Margot Rojas e que Isaac
Nicola não me pus sanções, pois eu irrompia nas
salas de aulas para estudar, porque naquele tempo
isso estava proibido. Esperava que as professoras
fossem ao banheiro e entrava às escondidas, faltava
um aluno e aí estava eu. Assim cheguei a Moscou”.
“Muitos especialistas asseguram que Frank Fernández
criou em Cuba a escola contemporânea de piano, com o
melhor dos clássicos nacionais e, ao mesmo tempo,
enriqueceu-o com experiências de culturas como a
russa e a europeia.
Quais foram os desafios para a criação da própria
identidade cubana?
“A
escola pianística começou em Cuba com Ignacio
Cervantes no século 19. Haviam excelentes pianistas
e conseguiram-se muitos reconhecimentos, mas os que
existíamos como premiados internacionais naquele
momento, todos nós tínhamos estudado nos Estados
Unidos ou na Europa. Muitos asseguravam que não
éramos capazes de ganhar um concurso internacional
porque nosso ambiente cultural estava muito afastado
daqueles países que os convocavam: Moscou (Rússia),
Paris (França), Bélgica. No meio desse mundo de
dúvidas, de falta de auto-estima perante a
colonização cultural, porque somos meio índios e
para tirar-nos a tanga temos que tirá-la em Paris,
Madri ou Moscou, empenhei-me. Comecei a transmitir
meus conhecimentos aos alunos; deles saiu Jorge Luis
Prats, depois de trabalhar seis anos comigo; Víctor
Rodríguez, o primeiro cubano laureado em Moscou;
Leonel Morales, que acabo de vê-lo com mais de 14
prêmios internacionais; sai no piano acompanhante
Elisa Pedroso, e outros casos que não são laureados
internacionais, mas têm um grande desempenho
artístico. Depois disso, muitos professores e
pessoas que não acreditavam o suficiente na
possibilidade de trabalhar a partir de Cuba,
conseguiram sucessos internacionais. É aí onde, em
primeiro lugar, os russos usam o qualificativo como
um reconhecimento que eu agradeço muito. Contudo, a
escola de piano cubana não pertence a Frank
Fernández, é de muitas pessoas”.
Como
vê o futuro da escola de piano em Cuba?
“Acho que vai continuar fortalecendo-se,
independentemente de que estamos passando por
momentoS difíceis e de que nossa economia prejudica
muito as entradas de talentos. Temos que ir
dosificando isso porque muita gente emigra por
necessidades econômicas. Ainda assim, o piano em
Cuba vai continuar para a frente, porque há uma
escola jovem, mas florescente. E quando se escuta um
pianista cubano em qualquer lugar do mundo tem umas
características tão particulares que, embora seja
muito difícil de explicar, sabe-se que é Cuba quem
está tocando”.
Sua
vida artística chega ao 55o aniversário
neste 2014, de que sente mais orgulho Frank
Fernández no plano profissional?
“O
que mais orgulho me faz sentir é que ainda coro
perante uma nova obra. Ainda me empolgo, como o
primeiro dia, ao trabalhar de conjunto ou ensinar
aos jovens as experiências musicais que penso, posso
ensinar-lhes. E uma das coisas mais belas que está
acontecendo é que decidi fazer um concerto na
abertura do Festival de Música de Câmara, no dia 25
de março, evento que, também me dedicaram neste
ano”.
“Agora estou trabalhando em A Truta, o
quinteto mais belo que escreveu Schubert e um dos
mais lindos de toda a produção musical.
Acompanham-me quatro jovens músicos: uma de
Camagüey, um de Guantánamo e dois de Holguín. Cada
vez que vem um ensaio, para mim é como se fosse uma
festa. Disso é do que mais me orgulho: de não ter
perdido a possibilidade de surpreender-me. Que não
desapareceu em mim a criança que buscava o rio para
sentir-se livre, que ainda tenho a ilusão de que o
mundo pode ser melhor e, sobretudo, eu. Que posso
ajudar com meu trabalho, com meu humilde, mas
profundo trabalho como fazedor de sons e silêncios,
para fazer da música algo melhor”.
Um
Momento…Somente Frank
O
ano 2014 é para Frank Fernández, na opinião dele, um
ano importante. Além das datas significativas para
sua carreira, o Maestro da escola contemporânea de
piano em Cuba tem muitos sucessos acumulados. Um
deles, e para ele o mais importante, é o
reconhecimento de seu povo. Por esta razão lançamos
a convocatória através das redes sociais e correio
eletrônico a que nos envie suas opiniões e
comentários acerca da música de Frank. Com respostas
simples a perguntas tão básicas como: Quanto o
marcou a música de Frank? Que sente escutando o
maestro tocar o piano? De qual de suas obras vocês
gosta mais? Desta forma colaboraria enormemente na
realização do documentário “Somente Frank”.
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