Presos Políticos do Império| MIAMI 5      

     

Só TEXTO / Assinatura jornal impreso

C U L T U R A

Havana. 16 de Abril, de 2014

Samuel Feijóo era um relâmpago

Pedro de La Hoz

VEJO-O agora mesmo com seu chapéu de feltro afundado até as sobrancelhas, com o rosto febrento e seus movimentos rápidos de viajante inveterado.

 Escadas acima, em seu lar de Cienfuegos, na rua La Mar, escadas que subia em três ou quatro pernadas, com seu discurso altissonante, com o qual tentava convencer seus semelhantes para que não comessem carnes vermelhas nem aves, somente peixe, para não assassinar a fauna terrestre.

 No parque Villuendas, também de Cienfuegos, rodeado de velhos e novos poetas, enquanto apontava num caderno as improvisações de Luis Gómez, Rogelio Porres, Frankenstein e Wilfredo  Sacerio.

 Entre bolsas cheias de papéis, etiquetadas tematicamente, à espera de seu processamento editorial.

 Ou na redação do jornal 5 de Septiembre, onde costumava zombar da secretária do diretor Enrique Román, para infiltrar-se numa reunião dizendo que não era ele, senão um fantasma.

 Fazendo com que eu carregasse um saco de batata-doce, numa viagem a Havana, para dar a Antonio Núñez Jiménez — Tonini Nuñini, segundo o romance Wampampiro Timbereta, seu amigo entranhável — com o pretexto de que os havaneses não sabiam alimentar-se bem.

 Furioso ante a crítica feroz publicada no El Caimán Barbudo sobre seu livro de contos, que ganhou o prêmio Luis Felipe Rodríguez, da Uneac e não porque fosse remisso a uma avaliação que podia pôr de pés para cima os relatos do livro, senão pela falta de argumentos no exercício do critério.

 Tenro ao encontrar-se com os garotos de uma escola de ensino primário, nos caminhos de Juan Quin             Quin, que percorremos juntos desde Loma Abreu até Arimao, ao entender que agora jamais haveria miséria nesses campos.

 Numa esquina do parque Vidal, de Santa Clara, explicando a um de seus melhores discípulos, o poeta e folclorista René Batista Moreno, alcunhado La Pantera, o dr. Manigua, a forma em que viajaria à Índia, com uma armadilha para caçar tigres.

 Atirando socos e diretos ao ar, convicto de que em outra vida foi boxeador e numa vida futura atingiria méritos superiores aos de Teófilo Stevenson.

 São inúmeras as anedotas de Samuel Feijóo. Nos finais dos anos 70 do século passado, Samuel parecia dominar muito bem o dom da ubiquidade. Viajava entre Santa Clara e Cienfuegos, chegava a Havana para discutir o prazo de impressão da revista Signos com a poligrafia e, entretanto, percorria os caminhos da região central da Ilha, de olhos abertos e ouvidos atentos, para ver e escutar as pessoas mais humildes em plena criação.

 Assim lembro dele, agora, por ocasião de seu centenário natalício, como um dos mais originais e intensos poetas, romancistas, pintores, fabuladores e folcloristas do nosso país.

 Mas também lembro dele a partir da memória de outros que o conheceram muito antes, no território da antiga província de Las Villas, onde Samuel foi um dos promotores mais dinâmicos da vida cultural desse território, desde meados do século.

 Foram as vozes de Aldo Menéndez e Alcides Iznaga, poetas de Cienfuegos — Aldo era de Caibarién mas vivia no sul — que me chamaram a atenção acerca do fino lirismo cultivado por Samuel, certeza avaliada por Cintio Vitier no seu ensaio Lo cubano en la poesia e, recentemente e sabiamente estudado por Virgilio López Lemus.

 Depois, esse outro Samuel que pintava e desenhava com vocação apareceu por intermédio de Albertico Anido, a quem o mestre apresentou no movimento de pintores populares de Las Villas. Anido costumava destacar a marca surrealista da obra de Feijóo e salientava o fato de que jamais impôs um estilo àqueles autores que promoveu, mediante as publicações de seus desenhos na revista Islas, que durante anos dirigiu na universidade central de Las Villas, se negando, ainda, a classificá-los como primitivos.

 Mas realmente o Samuel Feijóo da minha adolescência foi o de seus romances; o mais conhecido deles, Juan Quin Quin en Pueblo Mocho e uma outra joia ainda não suficientemente revelada: Tumbaga.

 Juan Quin Quin... não é parecido com nenhum outro romance da época — os anos 60 — como também não dos que na primeira metade do século abordaram a temática rural, talvez porque nem nos tópicos do realismo crítico nem dos chamados romances da terra existiu uma personagem tão próxima da picaresca e ao mesmo tempo batalhador. Se houve uma influência em sua escrita, foi a das narrações orais que costumava expressar em suas andanças de sensível caminhador, por vales e montanhas, algo que de outro modo também se fez notar na narrativa do indiscutível mestre do conto cubano, Onelio Jorge Cardoso, que também comemora seu centenário natalício por estes dias.

 Tumbaga ainda é mais surpreendente. Muito antes de que na geografia literária se apresentasse Macondo, com sua história de levitações e a saga jograresca de Francisco o Homem, Samuel deixou um elefante de circo conviver com os camponeses poetas de La Sierrita, em meio a um campo de cana-de-açúcar, como sendo a coisa mais natural deste mundo.

 Seu último romance, nos anos 80, não tem classificação, A trama de vida, paixão e morte do poeta Wampampiro Timbereta é absolutamente delirante, como também foram suas memórias, intituladas El sensible Zarapico. Entre a realidade e a ficção, a mente do escritor, durante os últimos de sua existência, se refugiou na ficção.

 Se me pedissem resumir em uma palavra a marca deixada por Samuel Feijóo na cultura cubana, diria que foi um relâmpago. Ainda ilumina e queima.

DE formação autodidata, Samuel Feijóo Rodríguez nasceu em San Juan de las Yeras, em 31 de março de 1914 e morreu em 14 de julho de 1992, em Havana. Sem dúvida, foi uma das personagens mais versáteis da cultura cubana do século 20.

 

IMPRIMIR ESTE MATERIAL


Diretor Geral: Pelayo Terry Cuervo. Diretor Editorial: Gustavo Becerra Estorino
HOSPEDAGEM: Teledatos-Cubaweb. Havana
Granma Internacional Digital: http://www.granma.cu/

  Inglês | Francês | Espanhol | Alemão | Italiano | Só TEXTO
Só TEXTO / Assinatura jornal impreso

© Copyright. 1996-2013. Todos os direitos reservados. GRANMA INTERNACIONAL/ EDICAO DIGITAL

Subir