24º FESTIVAL INTERNACIONAL DE HAVANA
Olhar
desde o cume
Mireya
Castañeda
POR sua natureza, o Festival de Balé
de Havana atinge um grau máximo de plenitude.
Encontro obrigado para aqueles que amam o balé pois,
desde o ano 1960, constitui um potente ímã que atrai
os amadores da dança.
O Festival é um imenso fórum aonde
chegam dezenas de agrupações e bailarinos de todos
os continentes. Um encontro onde cada dois anos
podem ver-se no palco os clássicos tradicionais e os
mais novos movimentos do século 21.
Durante dez dias (28 de outubro-7 de
novembro) no encontro presidido pela prima ballerina
assoluta Alicia Alonso estiveram representados 28
países, numa edição dedicada ao célebre dramaturgo
inglês William Shakespeare, para comemorar seu 450º
aniversário natalício.
Numa tentativa arriscada de resumir
o acontecido, nada melhor que uma Gala de
encerramento, resultando carta triunfal de
culminação.
O atual diretor do Ballet de San
José, Estados Unidos, o afamado bailarino cubano
José Manuel Carreño, surpreendeu ao voltar ao palco
com o pas de deux de outra Carmen,
coreografia de Roland Petit e música de Bizet.
Carreño acompanhou com seu estilo inigualável a
bailarina Alesandra Meijer, elenco da companhia que
agora ele dirige.
Muito querido e respeitado na Ilha,
Carreño recebeu na sede do Ballet Nacional de Cuba
(BNC) o Prêmio Especial Lorna Burdsall, máximo
galardão que confere a seção de artes cênicas, da
União dos Escritores e Artistas de Cuba (Uneac).
As figuras principais do American
Ballet Theatre (ABT) Paloma Herrera e Xiomara Reyes,
encheram de precisa técnica e estilo o palco da sala
Avellaneda.
Xiomara Reyes, além de uma aula
magistral nas Jornadas Fernando Alonso in Memoriam,
dançou Great Galloping Gottschalk,
acompanhada do primeiro bailarino espanhol Carlos
López, recebendo a ovação que merecia.
A célebre bailarina argentina Paloma
Herrera torceu por Verano porteño, junto a
Juan Pablo Ledo, do Ballet Estable do teatro Colon,
uma coreografia com música de Astor Piazzola e
Vivaldi.
Anteriormente, no Teatro Mella,
brilhou em Tchaikovski pas de deux, junto a
Gonzalo García, do New York City Ballet (NYC). Ambos
os bailarinos fizeram apreciar de novo o estilo
Balanchine, de exigente técnica de pontas.
O primeiro bailarino do NYC, Joaquin
de Luz, considerado pela crítica como um dos mais
brilhantes expoentes da dança masculina atual,
estreou em Cuba Cinco variaciones sobre un tema,
do coreógrafo mexicano David Fernández, com música
de Bach. Ainda, trouxe Other dances, que
interpretou com a bailarina Ashley Bouder, também do
NYC. Esta é uma coreografia de Jerome Robbins, com
música de Chopin, interpretada aqui no tablado pelo
premiado pianista cubano Marcos Madrigal.
A Gala incluiu a dupla do Ballet
Nacional da China, Qiu Yunting e Wu Sicong, os quais
dançaram com muita soltura Motley, uma dança
moderna, enquanto Nadia Muzyca e Federico Fernández,
do Estable de Colon, bailaram Esmeralda, de
Marius Petipa.
Outra Carmen, com coreografia
de Marcia Haydee, e música também de Bizet foi bem
recebida, mediante a interpretação de Natalia
Barrios e José Manuel Ghiso, do Ballet de Santiago
do Chile. E Claudia D’Antonio e Salvatore Mazo, do
San Carlos de Nápoles, dançaram Mia eterna
primavera, com música de Verdi.
No encerramento, o BNC mostrou a
força de sua escola, tal como durante todo o
Festival. Um esplêndido Espartaco, por Yanela
Piñera e Camilo Ramos, coreografia de Azary
Plisetsky; La muerte de un cisne, de Michel
Descombey, virtuosamente interpretado por Javier
Torres (atualmente com o Northen Ballet); Anette
Delgado e Dani Hernández, líricos e perfeitos em
Aguas primaverales, de Asaf Messerer, e um
Romeu e Julieta, de estreia em Cuba, coreografia
de Michel Corder, por Yolanda Correa e Joel Carreño
(atualmente com o Ballet Nacional da Noruega).
Fecharam a Gala a primeira bailarina
Viengsay Valdés e o bailarino principal Víctor
Estévez, com a estreia de Valsette, uma
versão reduzida de Nuestros Valses, obra do
coreógrafo venezuelano mais universal, Vicente
Nebrada, com montagem de Yanis Pikieris.
Tive a sorte de ver quando Pikieris
obteve a medalha de ouro, em 1981, no Concurso
Internacional de Balé de Moscou, graças à sua
técnica e estilo, ante o poderoso grupo de
bailarinos russos procedentes do Bolshói e o então
Kirov, novamente chamado Marinsky.
Agora, em Havana, presenteou ao BNC
Valsette, três pas de deux, com música
de Teresa Carreño e Ramón Delgado, interpretada ao
piano por Marcos Madrigal, para um fabuloso diálogo
com Viengsay e Estevez.
Viengsay, sem dúvida a primeira
bailarina do BNC e a de maior projeção internacional
na atualidade, se prodigalizou no Festival. Dançou
O lago dos Cisnes, clássico obrigatório no
repertório de todas as grandes companhias do mundo,
combinação perfeita de arte e técnica, junto ao
ucraniano Iván Putrov, ex-solista do Royal Ballet,
mas que nesta ocasião não respondeu às expectativas.
Viengsay esteve impecável no difícil papel de
Odette/Odile.
Por demais, no A magia da dança,
na cena de Dom Quixote, teve de partenaire o
primeiro bailarino do Ballet de Washington, Brooklyn
Mack, e pode dizer-se que fizeram história. Não foi
suficiente para eles e ofereceram um memorável pas
de deux de Diana e Acteon, de Agripina
Vaganova.
A primeira bailarina também defendeu
El desequilibrio, coreografia de Laura
Domingo, para reforçar sua dutibilidade na dança.
Não há noite de cada dia 2 de
novembro que em Havana não se dance Giselle,
obra cume do romantismo que, passados 173 anos de
sua estreia em Paris, ainda comove. Nesse dia de
1943, Alicia Alonso substituía outra Alicia,
Márkova, no Metropolitan Opera House de Nova York e
começava a lenda...
Nesta ocasião, a camponesa Willis
foi assumida por Anette Delgado, grande no difícil
papel, sobretudo na companhia cubana, e o Albrecht
foi Dani Hernández, justo partenaire. Ambos deram
uma função especial.
Neste exercício mínimo de resumo tem
que estar presente Julio Bocca, reconhecido
bailarino e coreógrafo argentino, uma das figuras de
destaque da dança internacional que, desde o ano
2010, dirige o Ballet Nacional Sodre do Uruguai, que
em 2015 completa 80 anos de fundado.
Bocca ofereceu uma aula magistral,
que iniciou as jornadas em honra de Fernando Alonso
(1914-2013) e teve um breve diálogo com o Granma
Internacional, na sede do BNC sobre suas estadas
na Ilha e seus critérios acerca da técnica e arte no
balé. "É a parte que mais temos que trabalhar os
professores, a parte artística, de concentração e,
sobretudo, não é que não tenham o amor, mas não
sabem como tirá-lo, os professores temos que lembrar
a eles por que estão fazendo isto, porque esta é uma
carreira que a gente escolhe".
Também se referiu aos seus encontros
em Havana com a primeira bailarina Ofelia González,
com quem dançou Dom Quixote e O Lago dos
Cisnes, pois nessa ocasião Bocca se despedia dos
palcos. "Lembro sua entrega, sua sinceridade no
tablado, nem todos os bailarinos têm. As vezes que
dançamos ele saía tranquilo, sabia que íamos buscar
mais, a coração aberto com sua personagem e seu
companheiro".
O encontro da dança não se esgota
nestes exemplos, mas sim o espaço do jornal. O
Festival Internacional de Balé não é uma contradição,
com todas as estrelas que chegam graças, sobretudo,
à faculdade de convocatória da diva Alicia Alonso, é
um encontro que vai além do star system,
trata-se de entregar a magia do balé no palco.
Daqui a dois anos, sem falta, Havana
voltará a ser esse potente ímã que atrai os fãs da
dança.
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