495º ANIVERSÁRIO DA CIDADE
A música
em Havana
Rafael Lam
HAVANA tem sido sempre a cidade mais
musical da América, desde os idos da colônia, tal
como o demonstram seus cronistas.
"Em Havana todo mundo é músico; ao
andar pelas ruas não se escuta outra coisa que
violões, pianos e música". (Luciano Pérez de
Acevedo, in Havana do século 19, 1830).
"Em Havana a paixão dominante é a
dança, todo mundo dança em Havana. A cidade tem a
fama de ser uma cidade muito alegre, onde todo homem
e mulher goza, onde o povo se diverte
constantemente, e por causa dessa ideia, muito geral,
é que tem sido chamada de O Paris da América".
(Nicolás Tanco Armero, Viagem à Nova Granada,
1852).
O primeiro carnaval, o mais
importante e emblemático de Cuba foi efetuado em
Havana. A ele pertencem as Charangas de Bejucal,
criadas em 1840.
Em 1841, foi criado em Havana o
ritmo chamado habanera. Fez a estreia no café La
Lonja, na rua O’Reilly, junto à Praça de Armas, ao
lado da Capitania Geral, segundo dados de Zoila
Lapique.
A habanera alimentou o início de
quase todas as músicas da América: o tango, a dança
mexicana, o merengue, o samba e o jazz.
Paralelamente, na província de
Matanzas, e na zona do porto de Havana e nos
arrabaldes da zona fora das muralhas surge a rumba
urbana e a conga do carnaval, nesses bairros de fora
da cidade. Essa é uma das maiores honras com que
conta o Centro Histórico da antiga Havana.
A cidade chegou a contar com várias
"academias de dança", centenas de salões para dançar
e sociedades e chegou a ser o berço dos teatros,
pois ali existiam muitos mais que em qualquer outra
cidade da América. Em épocas posteriores, mais de 10
mil vitrolas chegaram a soar em botecos e cafés.
As guarachas, unidas ao teatro
popular, marcaram uma época com as mulatas de fogo e
açúcar, no teatro Alhambra e em outros salões e
palcos havanenses como o teatro Irijoa (Martí),
restaurado há pouco tempo.
A guaracha (canção humorística),
desde a década de 1860, se converteu na colônia em
uma arma política, arte subversiva, irreverente, dos
dessapossados, música de resistência, muro de
contenção, como forma de oposição às zarzuelas e
óperas, impostas pela aristocracia colonizadora.
Na primeira metade do século 20,
devido ao auge do turismo, surgem as boates mais
renomadas do continente: Sans Soucí, Montmartre e
Tropicana. Mais adiante, novas boates abrem nos
luxuosos hotéis do Vedado: a Parisien, no Hotel
Nacional de Cuba; a Caribe do Hotel Hilton (hoje
Habana Libre, n.r.) e no Capri.
Outras boates de menor categoria
também eram muito populares: Alí Bar, onde cantava
Benny Moré; Las Vegas, La Campana, La Sierra,
Palermo, Night and Day, Cabaret Nacional e outras
boatezinhas em Playa de Marianao, com uma música
autêntica, algumas delas frequentadas pelo ator
norte-americano Marlon Brando.
A criolla (crioula), um dos ritmos
cubanos que mais se tornou popular, foi concebida em
Havana pelo músico Luis Casas Romero, em 1912. Sua
primeira música foi Carmela, com a letra do poeta
Sergio La Villa.
Depois, Luis Casas compôs uma
crioula antológica e emblemática: El Mambí, uma obra
que chegou a ser cantada por todos aqueles que
defendiam a liberdade. Em Havana, o son oriental
veio consolidar-se, ao poderem ser escritas as
letras, além das contribuições da música abakuá em
certos mambo, com o toque do ekon (chocalho), a
tumbadora (tambor) e o jeito de se expressarem os
cantores.
Em 1928, foi criado na cidade o
son-pregão El manisero, de Moisés Simon. Foi
estreado pela mítica cantora Rita Montaner, na noite
de 16 de setembro de 1928, no faustuoso teatro
Palace, situado em Provence, perto dos grandes
bulevares parisienses. O Palace concorria com o
Cassino de Paris, com o Folies Bergére e com o
Molulin Rouge quanto à suntuosidade dos seus
espetáculos.
Rita substituiu, nada mais nada
menos, que a cantora de cuplês espanhola Raquel
Meyer. Em maio de 1930, Antonio Machin gravou o El
Manisero em Nova York, a peça difundiu-se
internacionalmente e se converteu no primeiro
sucesso da música latina.
Em Havana foram concebidos, ainda,
entre 1938 e 1948, ritmos como o mambo, com o poder
de Arsenio Rodriguez, Arcaño y sus Maravillas, os
irmãos Israel e Orestes López, os Cachaos e o gênio
sublime de Dámaso Pérez Prado.
O mambo converteu.se em uma
revolução, a primeira bomba atômica musical do
século, feita em Cuba. Segundo o escritor Gabriel
García Márquez, o mambo "pôs o planeta de pernas
para cima".
O cha-cha-chá, da década de 1950,
foi um outro ritmo musical ecumênico. Um bailado sem
comparação, nítido, simples, com uma flauta cheia de
música de uma charanga francesa à cubana.
Estas duas bombas musicais invadiram
o mundo na década de 1950, pouco antes que o
fizesse, perigosamente, o rock and roll de Bill
Haley e Elvis Presley, em 1954. O mambo e o
cha-cha-chá invadiram o mundo, especialmente os
salões de dança da Europa e dos Estados Unidos. Em
Havana espalhou-se uma atmosfera musical que pôs a
música cubana no mapa musical do planeta todo.
No bairro havanense de Cayo Hueso,
especificamente no Beco de Hamel, inicia-se o
movimento feeling (cujos principais cultores eram
César Portillo de La Luz, José Antonio Méndez,
Angelito Diaz, Elena Burke, Omara Portuondo, Ñico
Rojas, Rosendo Ruiz Quevedo e muitos mais).
O feeling fez contribuições na
harmonia das composições com renovações melódicas,
harmônicas e literárias. Um estilo de cantar menos
trágico, mais íntimo, coloquial, sentimental e
romântico.
A década de 50 é chamada pelos
historiadores "A Década da Façanha Musical", devido
à alta difusão internacional que consegue a música
cubana no mundo todo, através da infinidade de
músicos e agrupamentos que deram vida e alegria à
capital da Ilha.
A década encerra em grande finale,
com o aparecimento da Pachanga, de Eduardo Davidson,
em 1959. A Pachanga, mais do que um ritmo, foi outra
explosão.
Já em meio de outra atmosfera e
clima social surge, na década de 1960, uma nova
forma de fazer música, o Movimento da Nova Trova,
que gera músicas de temas políticos e sociais, com
uma nova visão dos textos, tanto os comprometidos
quanto aos dedicados ao amor.
Na vanguarda destas canções é
preciso mencionar Silvio Rodríguez e outros
compositores que, em alguma medida, se inspiraram em
velhos trovadores e no cronista Carlos Puebla.
E no decurso das décadas de 1960 até
1980, produziram-se várias explosões musicais de
grande envergadura, com agrupamentos de relevância
como a orquestra Revé, Los Van Van, Adalberto
Alvarez, Dan Den, Charanga habanera, NG La Banda e
outras.
Todas estas bandas e orquestras
foram responsáveis, na década de 90, pelo chamado
boom da sala ou timba cubana. Seguiu a isso um
renascimento do son e da trova tradicional, com o
fenômeno do Buenavista Social Club.
Havana continua estando aberta a
todas as influências, renovações e revoluções
musicais juvenis.
Atualmente, em Havana predomina uma
música experimental. Diz-se que o mambo e a rumba
sempre vêm ajudar a música cubana. Com certeza, em
qualquer momento aparecerá uma sorte de remédio.
Havana mostra hoje sua música, como um dos elementos
mais ferventes da unidade, a identidade e a alegria.
|