Da Índia, um
altar de respeito
pelo mundo
Oscar Sánchez Serra
TILONIA, em meio do deserto no
estado de Rajastan, a umas sete horas da cidade de
Nova Deli, a capital da Índia, é a sede de um
projeto que nos últimos 42 anos tão só gerou amor
para a humanidade. Barefoot College — a escola dos
pés descalços — é um remanso de paz e altar de
respeito por esse mundo cada vez mais ameaçado pela
espécie humana.
Ali, sob os ideais de Gandhi, serve-se,
educa-se e apoia-se as pessoas carentes, reforçando
os seus conhecimentos, com o objetivo de que possam
viver de maneira sustentável nas suas aldeias, vilas
ou povoados.
Uma das abordagens do projeto, que
hoje conta com o apoio do governo indiano, é formar
e educar mulheres, mães e avós, já que elas são o
alicerce da família e da sociedade.
"Um provérbio oriental diz que se se
educa um rapaz se forma um homem, mas se se educa
uma menina se forma uma aldeia", expressou ao
Granma Internacional o representante da Barefoot
College para a América Latina e o Caribe, Rodrigo
París.
Como é que surgiu a ideia?
París afirma que foi uma proposta de
um homem chamado Bunker Roy, com o intuito de
recuperar os valores e ideais de Gandhi. "Ele
recebeu uma grande educação na sua família e em vez
de continuar os passos tradicionais de obter um bom
emprego e ganhar dinheiro, resolveu apostar em um
trabalho social voltado às pessoas com menos
recursos. Criou a escola e a partir desse momento
mora nesse lugar e trabalha o tempo todo para educar
essas pessoas", garantiu.
Por que mulheres de mais de 35
anos?
"Elas são o centro da família e da
comunidade em qualquer lado do mundo. Com mais de 35
anos porque já com essa idade procriaram, pensam
como mães e têm raízes profundas no lugar onde
moram. Uma mulher mãe, com essa idade, não somente
pensa no seu bem-estar, mas também no de seus filhos
e no da comunidade, no futuro, respeitam seu
passado, amam a terra onde nasceram. Potencializar o
conhecimento delas garante que a comunidade obtenha
benefícios desse conhecimento e que a comunidade
aproveite esse exemplo demonstrado por essa mulher
para seus filhos, a família e todos em torno dela",
afirmou.
Na escola dos pés descalços, o
programa mais importante é o de engenharia Solar,
pelo que, basicamente, as mulheres que chegam a
Tilonia, vêm de aldeias rurais do mundo todo onde
não há eletricidade. Esse é justamente um dos seus
valores mais elevados, o ensino do emprego das
fontes renováveis de energia, em um mundo onde já
não cabe mais uma agressão ao meio ambiente.
Qual é a duração do curso?
"É de seis meses cada ano e
participam 40 mulheres da América Latina, Ásia,
África e Oceania. Ao não haver uma língua comum e
sendo muitas delas analfabetas, já que vêm de zonas
muito afastadas de seus países, aprendem com as
cores, os números e os sinais. É uma aprendizagem
artesanal, de repetir, de aprender, de reaprender,
de terem paciência, de fazer as coisas uma e outra
vez até que se retêm na memória", disse París.
Afirma que as mulheres conseguiram
demonstrar que tudo é possível, que a decisão e os
sonhos conseguem os avanços. "Elas partem de
Barefoot cheias de saudade, travam amizade com
outras mulheres do mundo que não sabiam que
existiam, conseguem demonstrar elas próprias tudo
aquilo que valem, conseguem assimilar sinais da
cultura indiana, entendem que a educação é um
tesouro e se convertem em um exemplo espetacular
para seus filhos e netos", comenta o representante
do projeto para a área latino-americana e caribenha.
"As mulheres do Paraguai foram as
primeiras latino-americanas a viajarem a Tilonia,
eram deficientes físicas, vieram em cadeiras de
rodas e isso não foi um entrave para a sua superação
no conhecimento da energia solar. As haitianas
vieram com sua música e nos descansos e no tempo do
lazer cantavam e muitas delas acabavam dançando,
contagiando suas amigas de outros países, em um
ciclo virtuoso, no qual o entretenimento e a
comunicação aparecem sem importar a raça, a língua,
a religião, a origem", aprofundou París.
Desde o passado mês de setembro,
duas cubanas da província de Granma, no oriente do
país, Acelia Arias Reyes e Mileidis Fonseca Oliva,
estão no Barefoot College, com o objetivo de
enriquecer sua experiência quanto ao emprego da
energia solar como fonte de geração de energia,
experiência que vêm implementando no povoado de
Magdalena, nas proximidades da cidade de Bayamo.
Elas, tal como o resto das
participantes em Tilonia, não falam inglês embora
tivessem a possibilidade de aceder a processos
docente-educativos, como parte do sistema nacional
de ensino de Cuba, que abrange o país todo. Contudo,
pela primeira vez pegaram um avião e viajaram ao
outro lado do mundo.
Até a Índia viajaram essas duas
mulheres cubanas com a mesma sede de aprender que
suas novas companheiras e incutidas por essa
filosofia de Mahatma Gandhi, expressa em uma frase
de grande sabedoria: "Vive como se fosses morrer
amanhã; aprende como se o mundo fosse durar pra
sempre".
A iniciativa da Barefoot College é
um exemplo para o mundo, a partir de um país que
representa hoje uma das economias emergentes mais
importantes do planeta e membro do grupo Brics. A
Índia, a partir da Tilonia, mostra ao universo uma
das mais belas e marcantes expressões da cooperação
Sul-sul, expressa em outra sentença de Gandhi: "o
amor é a força mais humilde, porém a mais poderosa
de que dispõe o mundo".