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AQUÁRIO NACIONAL
Um amigo que mantém as portas abertas
Lisanka González
Suárez
VOU contando os passos que me separam da entrada do
Aquário Nacional, no bairro Miramar, em Havana e na
minha mente vou revendo as informações que escutei
nas primeiras horas da manhã.
Algumas delas me espantaram: …criado um
acampamento no Norte da Síria para treinar crianças
suicidas… estudantes esfaqueados numa escola
americana… e justamente, quando estou começando
a refletir acerca das origens de tais fatos, uma
lotação repleta de crianças duma escola estaca na
minha frente e como um turbilhão os meninos descem e
rumam pelo caminho que os conduz ao tanque onde
estão os lobos-marinhos.
Com certeza, os meninos devem ter travado uma luta
fraternal para conseguir ficar mais perto do
mamífero marinho, que parecia esperar por eles, pois
quando me aproximei, um deles estava sendo “beijado”
na bochecha por um dos lobos-marinhos, que aliás,
move as nadadeiras em sinal de regozijo.
A tenra cena me faz lembrar as notícias já lidas e
não posso evitar comparar a situação das crianças
cubanas com as doutras nações, que estão em meio de
um abandono total, privadas da alegria da infância,
sem possibilidades de frequentar a escola; que
trabalham como adultos, prostituem-se ou vão à
guerra.
Ainda, vêm à minha mente aquelas crianças que,
apesar de viverem em países desenvolvidos e terem
boas condições de vida, carecem da segurança
elementar que requerem, algo que constitui um
verdadeiro problema para seus país.
Sabe-se que alguns pais cubanos que moram no
exterior, durante as férias determinam enviar seus
filhos para onde estão os familiares que deixaram
nesta pequena e desenvolvida Ilha do Caribe, pois
aqui as crianças podem visitar sozinhas o Aquário e
brincar sem perigo nos parques próximos dos seus
lares.
O
Aquário Nacional tem mais de meio século e seu
diretor há já 24 anos, Guillermo García Montero,
esteve ligado a essa instituição desde que surgiu.
Lembra que a ideia de construir o Aquário foi
lançada desde os primeiros meses do triunfo
revolucionário, em janeiro de 1959, quando uma
equipe de seis ou sete companheiros que estavam
empenhados no projeto, criaram laboratórios
experimentais e estabeleceram relações com outros
aquários no mundo e com companhias estrangeiras para
adquirir os materiais necessários para a sua
construção.
Dessa forma, no domingo 23 de janeiro de 1960, abriu
as portas aquele primeiro Aquário, ocupando um
hectare do bairro Miramar, com algo mais de 30
trabalhadores e perto de 1,5 mil exemplares de 100
espécies marinhas. Começou, ainda, como um centro de
divulgação, lazer e ciências básicas, condições
básicas que tem mantido ao longo dos 54 anos.
“Na
época, o Aquário de Cuba foi o primeiro do seu tipo
construído na América Latina e um dos primeiros no
mundo.
Na Europa”, afirma, “só havia dois ou três, e no
Japão e nos Estados Unidos havia alguns mais”.
O QUE A NATUREZA NÃO PODE DESTRUIR
A partir desse momento o Aquário viveu tempos bons
e tempos difíceis, durante os quais teve que encarar
múltiplos problemas e carências materiais, como na
década dos anos 90, a qual foi muito difícil; mas
conseguiram sair na frente. Contudo, com a natureza
é bem diferente; os furacões que passaram ou se
aproximaram da capital trouxeram grandes penetrações
da água do mar, as quais provocaram grandes
prejuízos em varias instalações, algumas das quais
foram substituídas e outras ainda estão trabalhando.
O mais embaraçoso de tudo isso é que tais situações
foram atrasando vários dos projetos do Aquário.
A
primeira fase desta etapa concluiu no ano 2000, a
nova entrada ao Aquário.
E dois anos mais tarde a segunda etapa, com a
abertura de novas áreas, piscinas e tanques e outros
locais que fazem parte do projeto.
Neste momento, trabalha-se noutros empreendimentos
que incluem o alargamento de um centro de
biodiversidade, uma lanchonete com capacidade para
400 pessoas e um centro de educação ambiental.
Daí que alguém disse numa ocasião que o Aquário está
talvez a meio do caminho.
Contudo, apesar das condições e as obras que se
realizam, o Aquário recebe anualmente uns 500 mil
visitantes, número que se manteve, nos últimos 15
anos, com algumas flutuações acima e ainda maior
(750 mil pessoas), quando foi aberta a outra parte
do projeto.
Hoje
em dia, novas e velhas gerações de técnicos,
especialistas e trabalhadores têm pela frente outros
problemas, na hora de acometer as obras que estão
faltando, pelo qual seria difícil fixar uma data de
acabamento das obras no seu conjunto. “Não posso
responder isso hoje”, diz a máxima autoridade do
Aquário, após escutar a pergunta chave. “Falta a
terceira etapa que corresponderia, para que esteja
pronto o Aquário”.
Para isso, biólogos, técnicos e treinadores,
pessoal de serviço, de manutenção, da gastronomia,
eles todos em geral trabalham de forma coordenada e
estreita, para encarar o novo desafio que têm pela
frente.
“Atualmente,
indica Garcia Montero, só há aquários no Brasil,
México, Venezuela (um de agua doce) e na Argentina.
Com as dimensões deste não há outro na área e acho
que pelos shows com os golfinhos e os lobos-marinhos
mais as exibições que fazemos, nosso Aquário pode
ser considerado um dos melhores da América Latina,
independentemente de que hoje estamos trabalhando na
recuperação de todas essas instalações e isso vai
demorar mais um ano ou dois”.
RODEADOS PELO OCEANO
O Aquário é pioneiro em nível mundial na
implementação de programas de educação que se
desenvolvem com recursos próprios. Exemplo disso são
as jornadas científicas infantis, atividade que vem
sendo realizada desde o ano 1994 e na qual
participam crianças do país todo.
Casualmente, durante nossa visita, no Aquário estava
decorrendo a 19ª Jornada Científica, com a
participação de 624 delegados, 274 deles de 11
províncias e 20 municípios do interior da Ilha e da
capital.
No evento foram examinados centenas de trabalhos
feitos por crianças das creches, escolas do ensino
primário, escolas de ensino especial, de arte, de
esportes e do nível pré-universitário. Desenhos,
pôsteres, cantos, trabalhos, contos, cerâmicas,
danças, multimídias, jogos didáticos e outros sobre
o tema do meio ambiente e de sua comunidade, muitos
dos quais ultrapassaram as expectativas, graças à
criativa imaginação infantil.
“Essas atividades todas são financiadas
exclusivamente pelo próprio Aquário Nacional”,
destaca o director. “O Aquário gere-se de forma
autosuficiente desde o ano 1997, só recebemos uma
fatia de financiamento para as obras de construção.
O Aquário mantém relações com organismos
internacionais como a Unesco, instituição que
ofereceu apoio nalgumas atividades de educação
ambiental, pesquisas e outras, mas não para as
operações diárias nem para os empreendimentos”.
O público nacional paga um preço muito baixo,
segundo a opinião do diretor “quase simbólico”, que
lhe dá direito a desfrutar dalguns dos espetáculos
de alta qualidade. Isso produz receitas anuais da
orden dos 8,5 a 9 milhões de pesos, além de dispor
de outras fontes que permitem ao Aquário obter
receitas em divisas, através dos visitantes
estrangeiros.
O Aquário Nacional é o mais importante desse tipo
existente no arquipélago e apesar de todas as obras
previstas ainda não terem sido concluídas, é
visitado diariamente por centenas de crianças, que
retribuem com longos aplausos as cambalhotas dos
golfinhos ou dos lobos-marinhos, premiando assim o
esforço dos perto de 300 trabalhadores que tornam
possível esse ato que é quase que de magia.
As
crianças tão só enxergam os peixes, as plantas
aquáticas e o mar, que a miude ameaça com alagar
este ponto da costa. As obras ainda incompletas, as
ruínas que perduram, os entulhos que restam, isso
não é alvo da sua atenção.
Não são tempos da foca Silvia, heroína dos meus
filhos há uns 30 anos e modelo para meu pai, que a
flagrou pulando na sua piscina, numa exposição
fotográfica. Já não estão nem essa foca nem a
golfinha Diana, que deixou que a apanhassem
novamente após ter sido libertada, nem Yolanda sua
treinadora, nem o mirante, nem meu pai… É uma época
nova, outras gerações e outro Aquário, mas todos
aqueles que o desfrutaram agradecem sua existência.
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A primeira mulher treinadora: Yolanda Alfonso
Hernández
TINHA 18 anos quando chegou ao Aquário e seu
primeiro emprego foi como faxineira.
Pouco tempo depois, trabalhou na cafeteria como
garçonete e finalmente acabou sendo guardiã de uma
das áreas.
Yolanda
trabalhava no Aquário na época em que chegaram os
primeiros golfinhos. Ficou cativada com seus
robustos e enormes corpos e passava o dia
acompanhando seus movimentos através do vidro do
tanque.
A curiosidade da joven chamou a atenção da diretoria
do centro e quando chegaram mais seis golfinhos
trazidos por dois técnicos do Instituto da Pesca do
México, ela foi escolhida, junto doutro companheiro,
para receberem lições de treinamento com golfinhos e
lobos-marinhos.
Não tinha medo deles mas ficava espantada com seu
olhar debaixo da água.
“Assim foi, convertemo-nos nos primeiros
treinadores dos golfinhos Diana e Ciclón, os quais
libertamos depois de 11 anos ao cuidado dos homens.
Levamo-nos para um ponto no mar onde havia um
cardume de golfinhos e os soltamos. Eu chorei muito.
Após dois anos, voltamos a apanhar a Diana, estava
prenhe e a libertamos novamente. Neste momento, o
Aquário possui oito golfinhos e 12 treinadores,
alguns deles treinados por Yolanda e outros pelos
que ela formou.
Atualmente, Yolanda dá aulas de educação ambiental
e na hora em que conversei com ela estava examinando
os trabalhos escolhidos para concorrer na Jornada
Infantil.
Além
das aulas e de outras atividades, a primeira
treinadora feminina do Aquário visita habitualmente
seus golfinhos, aos quais conhece muito bem, mas que
a continuam cativando.
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