A tragédia das crianças migrantes
nos EUA
Albor Ruiz
NINGUÉM pode prever qual será o desenlace – se
houver algum– da crise humanitária criada pelo êxodo
de crianças inocentes que, contra todos os
obstáculos, cruzam a fronteira sozinhas,
provenientes do México e da América Central.
Mas, do que não há dúvida é de que, caso Washington
tentar resolver esse problema, mediante a aplicação
rígida das leis atuais, conseguirá apenas atiçar o
caos migratório já existente, por causa duma longa
lista de injustiças e enganos; como as deportações
em massa, o multimilionário negócio dos cárceres
privados, os abusos da patrulha fronteiriça e a
falta de decisão política para resolver a situação
dos 11 milhões de imigrantes sem documentos que
sobrevivem nos EUA.
Essa, entretanto, parece ser a solução tomada pelas
autoridades federais. Se assim for, se aproxima a
hora de descortinar o pano de fundo para o segundo
ato desta insólita tragédia: a repatriação da maior
quantidade de meninos e meninas tão rapidamente como
seja humanamente possível. O espetáculo, se chegar a
dar-se, não vai ser precisamente catártico.
“Todas aquelas pessoas que prendermos na nossa
fronteira serão prioridade em termos de deportação,”
afirmou o secretário de Segurança Interna, Jeh
Johnson. “Serão prioridade para lhes serem aplicadas
nossas leis de imigração sem importar idade alguma”.
O
funcionário afirmou, ainda, que está mantendo
conversações com representantes da Guatemala, El
Salvador, Honduras e o México sobre segurança
fronteiriça e uma “repatriação mais rápida.”
A
repressão e a força são também as propostas de
republicanos, como a do congressista da Virgínia,
Robert Goodlatte, um raivoso anti-imigrante que
preside o Comitê Judicial da Câmara.
“Espalhou-se o boato pelo mundo sobre a fraca
política de abrigo fronteiriço do presidente Obama”,
afirmou Goodlatte. “Isto estimulou mais indivíduos
para virem ilegalmente aos EUA, muitos dos quais são
crianças da América Central”. Para ele, a crescente
afluência infantil é “um desastre criado pela
Administração”, portanto “aplicar a lei na fronteira
e no interior dos EUA é crucial para dar cabo deste
tipo de situações”.
É
evidente que tanto Goodlatte como Johnson preferem
apresentar como um problema de segurança fronteiriça
aquilo que, na verdade, é uma crise humanitária de
enormes proporções. Para eles, as 90 mil crianças
que se calcula chegarão neste ano sozinhas, são
apenas mais um grupo de ‘indivíduos’ que procuram se
aproveitar de seus ricos e generosos vizinhos do
Norte.
Engana-se Goodlatte e erra mais uma vez a
administração de Obama. As crianças não veem o que
há por trás do cada vez mais ilusório sonho
americano; chegam fugindo dos perigos da miséria, a
desesperança e a violência desenfreada dos cartéis
da droga e as gangues assassinas, que estão matando
toda uma geração. Vêm para salvar a vida.
Implementar leis mais estritas e deportar mais
meninos não parará esta afluência de imigração
infantil. Isso apenas se resolveria, caso tenham a
oportunidade de sobreviver e poder desenvolver seus
potenciais na sua própria terra.
Por
isso, o único efetivo — e o único justo — é investir
os trilhões, que agora se esbanjam para reprimi-los,
em criar condições que permitam aos jovens da
América Central e o México não serem obrigados a
empreender a fuga, a qualquer preço.
Afinal, esse investimento seria apenas um modesto
“down payment” sobre a enorme dívida contraída com
eles por causa, entre outras coisas, dos
devastadores conflitos armados financiados por
Washington durante a Guerra Fria e seu vergonhoso
apoio a governos ilegítimos e criminais. (Extraído
de Progreso Semanal)
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