A ciberguerra do Ocidente com a
Rússia
• Qualquer ataque
contra as redes informáticas de um país membro da
OTAN será considerado como um ataque contra todos,
equivalente a uma agressão clássica
Eduardo Febbro
Paris
- O confronto em curso entre Rússia e Ocidente
reativou uma disciplina cujo imaginário foi
alimentado pela informática, cinema, literatura,
rumores e um punhado de fatos constatados: a
ciberguerra. O deslocamento de um conflito de um
território para o ciberespaço gera especulações há
anos e, em alguns casos, enfrentamentos reais como o
ciberataque massivo de que foi alvo a Estônia em
2007, o ataque contra os sistemas de mísseis
ar-terra da Síria no mesmo ano, as operações na
Geórgia, o permanente fustigamento digital
protagonizado por China e Estados Unidos ou a
operação (2010) contra o programa nuclear iraniano
urdida por Estados Unidos e Israel por meio do vírus
Stuxnet. Este dispositivo é o descendente do
programa Olympic Games desenvolvido pela NSA
norteamericana e pela unidade 8200 de Israel.

A crise com
a Rússia acelerou o recurso à ciberguerra. Durante a
última cúpula - 4 e 5 de setembro - realizada em
plena crise com Moscou, a OTAN reforçou seus padrões
de defesa na Europa por meio de um programa chamado
"política de ciberdefesa reforçada". Segundo o
comandante norteamericano das forças aliadas na
Europa, a anexação da Crimeia por parte da Rússia e
o posterior conflito que explodiu na Ucrânia
demonstraram que Moscou implantivo em suas operações
militares uma estratégia ciberofensiva que se
mostrou muito eficaz. Moscou teria conseguido
interromper todas as comunicações eletrônicas entre
as tropas ucranianas estacionadas na península e os
centros de comando espalhados pelo resto da Ucrânia.
Este é o argumento do ocidente para desenvovler uma
frente de conflito no ciberespaço.
O documento elaborado pela OTAN sobre a ciberguerra
apresenta de fato uma postura ameaçadora. A Aliança
Atlântica estendeu ao ciberespaço todas as garantias
do Tratado. Isso quer dizer que qualquer ataque
contra as redes informáticas de um país membro da
OTAN será considerado como um ataque contra todos,
ou seja, equivalente a uma agressão clássica. O
Ocidente cria assim um ciberespaço "indivisível". A
consequência é evidente: se um Estado externo à
aliança aparecer como responsável por um ciberataque
este será objeto de represálias que podem incluir
mesmo os meios clássicos. Com seu recorrente cinismo
faminto por confrontações, a OTAN faz o papel de
futura vítima como se ela ou seus membros mais
poderosos, como os Estados Unidos, nunca tivessem
lançados ciberataques contra algum de seus
aadversários ou espionado a intimidade de cada ser
humano do planeta mediante o dispositivo Prisma
montado pela Agência Nacional de Segurança dos EUA
(NSA), com a servir colaboração de empresas privadas
(Google, Yahoo, Facebook, Microsoft, etc.).
Sorin Ducaru, secretário geral adjunto da OTAN e
encarregado dos "desafios emergentes" disse que o
organismo se limitará a se defender. Segundo ele,
está "excluído lançar operações ciberofensivas.
Estas estão sob o domínio de cada país membro". A
ciberguerra se converte assim, e agora em nível
coletivo, no novo Eldorado dos exércitos. A OTAnN já
conta com uma infraestrutura, o Cooperative Cyber
Defence Centre of Excellence (CCDCOE), situado na
Estônia e em plena fase de desenvolvimento e
exercícios de invasão de servidores civis,
vigilância das redes e ataques reais. Tudo parece
pronto para um um grande confronto deslocado para o
terreno do ciberespaço. A retórica ocidental está
amplamente dominada pela ideia de que essa é a única
maneira de se defender do grande inimigo russo.
O general Keith Alexander, ex-diretor da NSA, acusou
Moscou de ter invadido há alguns meses o banco JP
Morgan para roubar dados sensíveis como uma forma de
represália após as sanções financeiras adotadas por
Washington contra a Rússia, em função do conflito
com a Ucrânia. O primeiro expropriador mundial de
dados privados planetários se apresenta agora como
um gatinho inocente vítima de um cibertaque
organizado por uma potência repentinamente inimiga.
O outro grande acusado é a China. Pequim aparece
regularmente como responsável por contaminar o
ciberespaço com ataques destinados a furtar os
segredos da Europa e dos Estados Unidos. No entanto,
como demonstram os documentos divulgados por Edward
Snowden, os EUA tem olhos e ouvidos implantados em
cada casa, incluindo as de seus aliados como França
e Alemanha.
Washington espionou dezenas de autoridades alemãs e
chegou a grampear o telefone da chanceler Angela
Merkel. Em represália, em meados de julho, o chefe
dos serviços secretos norteamericanos na Alemanha
foi convidado pela chanceler alemã a deixar o
território. Eum uma entrevista publicada pela
revista Wired, Edward Snowden contou que a NSA tinha
em seu arsenal uma arma dirigida aos ciberconflitos.
Trata-se da MasterMind. Segundo Snowden, este
dispositivo é totalmente dedicado à ciberguerra e
foi construído para analisar o tráfego na rede,
detectar e deter os ciberataques contra os EUA.
Snowden, hoje exilado na Rússia, revelou que
MasterMind também está dotado de "um aspecto
ofensivo automático, sem intervenção humana".
Os analistas militares nem sempre estão de acordo
com o significado do conceito de "ciberguerra". Por
exemplo, Maxime Pinard, diretor de Ciberestratégia
no Instituto de Relações Internacionais e
Estratégicas (IRIS), observa com pertinência que o
termo "ciberguerra" não está sustentado por nenhuma
realidade concreta.
Ele ressalta que "certamente há ciberataques, mas
não ciberguerra no sentido de um conflito entre, ao
menos, dois protagonistas identificados que causam
danos humanos e econômicos um contra o outro". O
investigador francês também destaca outra
incoerência no uso excessivo do termo: "os
ciberataues parecem novos quando na realidade só
correspondem a técnicas clássicas de sabotagem e
perturbação das comunicações do inimigo". Em resumo,
uma mera espionagem digital ou a custosa mas simples
contaminação de um servidor com um vírus.
Isso não retira a pertinência de outra ideia muito
difundida nestes tempos de novas guerras: a corrida
armamentista digital. Até agora, seus principais
atores eram Estados Unidos e China. No entanto, a
inclusão da OTAn e sua "política de ciberdefesa
reforçada" agregam um protagonista adicional e
aumenta o risco de que, efetivamente, se plasme uma
ciberguerra generaizada muito mais aguda do que as
ciberestratégias nacionais de defesa e
contra-ataque, atualmente em curso.
O contra-almirante Arnaud Coustillière, responsável
pela ciberdefesa no Ministério Francês da Defesa,
assegura com realismo: "se podemos neutralizar os
radares com a arma informática ao invés de um
míssil, é muito melhor". O militar francês não crê
que possa ocorrer algum dia uma espécie de Hiroshima
digital: "estamos tão globalizados que não acredito.
No entanto, um ataque catastrófico contra
infraestruturais vitais isso sim pode acontecer".
Para Maxime Pinard, o resultado destas novas
políticas carece de segredos: "nos dirigimos para
uma militarização recorçada do ciberespaço com um
risco de formatação de um cenário onde os
internautas comuns serão as principais vítimas".
Tradução: Louise Antônia Leon
(Extraído do
portal Carta Maior)