Olhada ao cinema cubano no primeiro
semestre de 2014
Mireya Castañeda
LONGAS-METRAGENS de ficção, documentários e
curtas-metragens de temáticas e estilos diferentes
aparecem com maior frequência no cinema cubano, nos
últimos tempos. Uma vista de olhos ao que já foi
estreado e àquilo que se encontra em pós-produção,
permite perceber um amplo leque de novas tendências
e formas e a coexistência de reconhecidos
realizadores, junto de uma promissória chegada de
jovens cineastas, cuja obra pode ser apreciada, por
exemplo, em espaços como a Mostra Jovem Icaic.
O
número de fitas em determinada etapa de produção
também é sinal de uma melhoria na cinematografia da
Ilha, no ano do 55º aniversário da criação do
Instituto Cubano da Arte e Indústria Cinematográfica
(Icaic).
Ao
adentrarmo-nos nesse campo é obrigado lembrar que
neste ano o Prêmio Nacional de Cinema foi concedido
a Juan Carlos Tabío, diretor de fitas como Se
permuta (sua obra prima de ficção, em 1983),
Plaff (1899), Lista de espera (1999),
El Elefante y la bicicleta (1994), Aunque
estes lejos (2003), El cuerno de la
abundancia (2009) e El dulce amargo de la
desesperación, um conto do longa-metragem
Siete dias en
La
Habana
(2010).
Ainda, Tabío é co-diretor, junto com o maestro
Tomás Gutiérrez Alea, das fitas Fresa y Chocolate
(1993) e Guantanamera (1995), dentre o melhor
do cinema cubano.
FALEMOS DE ESTREIAS
O
diretor Ernesto Daranas apresentou Conducta,
que durante as quatro semanas em que se manteve no
cartaz foi vista por mais de trezentos mil
espectadores. Conta a história de Chala, um rapaz de
onze anos que tem uma vida muito difícil, e Carmela,
sua professora. O enredo do filme começa a
desenvolver-se quando ela adoece e tem que deixar as
aulas; quando retorna verá que tudo mudou, inclusive
a conduta do rapaz.
Protagonizada por crianças sem formação como
atores, junto a Alina Rodríguez como Carmela, e
apoiada em atrizes como Yuliet Cruz, Conducta
é o terceiro longa-metragem de Daranas, que em 2008
filmou Los dioses rotos, uma adaptação do
mito do proxeneta Yarini aos tempos atuais, um
melodrama muito bem feito que, sem sair das
convenções do gênero, resultou um filme ameno, bem
atuado, com personagens e situações credíveis.
O
verão chega, finalmente, com Meñique, o
primeiro desenho animado cubano em 3D. A trama é
inspirada na versão que fez o Apóstolo cubano, José
Martí, de um conto tradicional francês, incluído no
primeiro número da revista
La
Edad de Oro,
uma revista literária infantil, que José Martí
editou e fundou no século 19.
E
em alguns fotogramas desse desenho animado, dirigido
por Ernesto Padrón, que a imprensa conseguiu
apreciar, apreciam-se os méritos de uma criação
colorida de paisagens e personagens e a música de
Silvio Rodriguez. Padrón recreia uma espécie de
“Idade Média” cubana, já que as paisagens, as
cidades e os próprios personagens fazem lembrar o
vale de Viñales ou a antiga Havana.
Um
grupo de brilhantes artistas faz as vozes dos
personagens: Lieter Ledesma é Meñique; Aramís
Delgado é o Rei; Enrique Molina é Pedro; Manuel
Marin assume as vozes do Machado, do Gigante, do
capitão da guarda e de um dos irmãos de Meñique;
Osvaldo Doimeadiós é a voz da Polvera Mágica; Corina
Mestre é a bruxa Barussa e a princesa é Yoraisy
Gómez.
A
estreia mais recente é Bocaccerías Habaneras,
de Arturo Sotto, que obteve o prêmio Coral de
Roteiro e o da Popularidade, durante o 35º Festival
do Novo Cinema Latino-americano, em dezembro do ano
passado, em Havana.
Sotto, diretor de Pon tu pensamiento en mí,
Amor vertical torceu por uma adaptação de contos
do livro Decamerón, que o autor italiano
Giovanni Boccaccio terminou entre 1351 e 1353.
Sob
o lema, “Todo mundo tem uma história que contar”,
Sotto estruturou uma comédia que, segundo suas
palavras, tem como intenção, “dar um espetáculo
cinematográfico, que transmita gosto, que transmita
prazer, não é procurar o riso ou o humor em uma
visão muito crítica da realidade, é lançar mão da
realidade para refletir a partir do próprio
sorriso”.
Los
primos, No te lo vas a creer e El cuento del tabaco,
são as três histórias que formam a comédia, com um
grupo de atores que combina os mais experientes,
como Mario Guerra, Zulema Cruz, Luis Alberto García,
Jorge Perugorría e Patricio Wood, com jovens como
Yadier Fernández, Yerlin Pérez, Claudia Álvarez e
Yudith Castillo.
“Boccaccerias
Habaneras — garante Sotto — é uma fita muito
requintada, relativamente ao erotismo, inclusive
naquelas cenas que podem ser mais procazes faz um
discurso interno que critica essa visão do erotismo,
que pode ser até de mau gosto e que critica também
qualquer elemento que possa ser de péssima feitura”.
EM
PÓS-PRODUÇÃO
Leontina
intitula-se o filme que Rudy Mora entregará em
breve. Conta a história de um grupo de crianças que
participam de um concurso de pintura e precisam da
cor azul; mas só a podem achar no povoado de Palma
Blanca, um lugar onde o riso sumiu e seus moradores
caminham devagar, à exceção da loja do Legionário.
Por
seu lado, Juan Carlos Cremata está nos passos finais
de Contigo pan y cebolla. História muito
conhecida, porque é uma da peças teatrais mais
difundidas do teatro cubano e sua versão
cinematográfica constitui uma homemagem a seu autor,
o mestre Héctor Quintero, segundo expressou o
cineasta.
Também se encontra na etapa final de pós-produção
Fátima, a última fita do ator Jorge
Perugorria como diretor, protagonizada por Carlos
Enrique Almirante, é baseada no conto El parque
de la fraternidad, de Miguel Barnet, e conta a
história de um travesti original, que se
autoproclama a rainha das noites havanesas.
O
realizador Fernando Pérez ainda se encontra
trabalhando em La pared de las palabras.
Conforma a história a vida difícil de um doente com
limitações físicas e motoras, o relacionamento com
sua família e outras pessoas com vidas não menos
tempestuosas, em outra excelente indagação acerca da
condição humana.
Foi
filmada em locações como Santa Fé e a Quinta Canaria
e conta com um grupo de atores de luxo: Jorge
Perugorria, Isabel Santos, Laura de la Uz e Verónica
Lynn, pelo que sem dúvida isto pode ser um duelo de
atores entre estes quatro astros e estrelas.
Ainda, na fase de pós-produção está Omega 3,
o primeiro longa-metragem cubano de ficção
científica, dirigido por Eduardo del Llano e
contando com o desempenho de atores como Carlos
Gonzalvo e Daylenis Fuentes.
Acerca do desafio de ser mulher na Cuba de hoje
trata Venecia, filme já quase para estrear de
Enrique Alvarez. A fita conta as aventuras de três
jovens cabeleireiras que no dia de cobrar o salário
resolvem acompanhar uma delas a comprar um vestido.
Esse é o ponto de partida para uma sucessão de
peripécias que farão parte do seu exótico
itinerário, atravessando uma noite que as deixará
sem um centavo. Ao amanhecer, sem dinheiro, mas com
muitas esperanças no bolso, sonham em abrir um salão
de beleza particular, ao qual darão o nome da
sedutora cidade dos canais.
A
realizadora Marilyn Solaya também está prestes a
entregar Vestido de Novia, onde intervêm
atores da categoria de Laura de la Uz, Luis Alberto
García, Jorge Perugorría e Isabel Santos. O filme
aborda o conflito de Rosa Elena e Ernesto, morando
no ano 1994, em Havana. Ela, assistente de
enfermeira; ele, chefe de uma brigada de construção.
Ambos se apaixonam, casam e tentam ser felizes, até
que um segredo na vida dela ameaça essa harmonia e
os converte em vítimas da violência, os preconceitos
e os estereótipos de uma sociedade que ainda se
encontra regida pelo machismo.
Vuelos
prohibidos, título de projeção do último projeto
cinematográfico de Rigoberto López, protagonizado
pelo popular cantor Paulo FG foi filmado em locações
de Havana e Paris.
Finalmente, a jovem realizadora Jessica Rodríguez
proporá para este ano 2014 sua obra prima
Espejuelos oscuros. Luis Alberto García e Laura
de la Uz são as estrelas, desempenhando cada um
quatro papéis diferentes. Segundo afirma a diretora,
“o filme decorre em quatro momentos diferentes da
história de Cuba e tem a ver com os conflitos de uma
mulher entre seus desejos e o que a sociedade espera
dela. Conflitos de caráter extraordinário, embora
estejam sob a pele de mulheres medíocres e
ordinárias”.
SEMPRE O DOCUMENTÁRIO
O
documentário cubano sempre tem se destacado por seu
estilo, seu amplo leque de temas, e embora não
esteja privilegiado na exibição, não deixam de ser
realizados. Neste ano, por ocasião do 55º
aniversário do Icaic, estrearam-se três deles,
dedicados a diversos aspectos da cultura.
O
primeiro deles foi Humberto, de Carlos Barba,
uma aproximação à figura do grande cineasta cubano
Humberto Solás (1941-2008), que resulta uma
aproximação sensível e profunda e um tributo à vida
e à obra do reconhecido cineasta cubano, que dirigiu
fitas como Lucía, Cecilia, Un hombre de éxito,
deixando sua marca no cinema ibero-americano.
A
segunda estreia foi Yo sé de un lugar,
dirigida pelo suíço Beat Porter, acerca do popular
músico cubano Kelvin Ochoa. O documentário recria
encontros com lugares e personalidades que têm
marcado sua vida e obra, entre eles Silvio
Rodriguez, Pablo Milanés, Frank Fernández, Yusa e
Ernan Lopez-Nussa.
O
trio de documentários é completado com Me dicen
Cuba, de Pablo Massip, onde se podem ver
depoimentos de mais de 70 músicos cubanos, entre
eles Silvio Rodríguez, Sergio Vitier, o dueto Buena
Fé, Vicente Feliu, o trovador Lázaro Garcia, Digna
Guerra, Raúl Paz, Luna Manzanares, Vania Borges e
Paulo FG.
Eles, parte da vanguarda musical cubana, falam de
valores universais como a pátria, a família, a
música, o amor, a amizade, o heroísmo, a paz e
outros temas. São músicos reunidos com o objetivo de
fazer um disco dedicado aos Cinco heróis cubanos.
Anteriormente, tinha passado pelas salas de
estreia, com excelente acolhida por parte do
público, o documentário de Lourdes Prieto Hay um
grupo que dice, sobre a história do Grupo de
Experimentação Sonora do Icaic, criado em 1969.
Inclui entrevistas a Leo Brouwer, Silvio Rodriguez,
Sara González, Eduardo Ramos, Sergio Vitier, Pablo
Menéndez, Noel Nicola, Pablo Milanés e Victor
Casaus, quem o produziu a partir do Centro Cultural
Pablo de la Torriente Brau.
Há
um espaço para o curta-metragem de ficção, neste
caso Tarde para Ramón, do jovem realizador
Daniel Chile, de dez minutos de duração e cujo
protagonista é Jorge Perugorria, acompanhado de
Maydely Pérez, Yaniel Castillo, Yamany Guerrero, Lyn
Cruz, Gina Morales e o ator Omar Franco, numa
história enquadrada dentro do gênero do drama. Conta
a decisão que adota Ramón para emendar o conflito
existente com a filha e as situações imprevistas que
determinarão suas vidas.
Após termos descrito toda esta relação anterior, há
razões para convencer-se de que o cinema cubano,
neste primeiro semestre de 2014, está em meio de um
renascimento.
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